A invasão da Ucrânia é um evento especialmente marcante por pôr em causa muitas coisas que dávamos como garantidas. A barbárie da invasão e o uso desmedido da força por parte da Rússia foi tornada possível por um regime cada vez mais autocrático, que acumula poder para se alimentar a si próprio. Um regime que visa enriquecer uma parte pequena da sociedade à custa dos restantes.
Na verdade, entre tiranias e autocracias, foi este o tipo de regime no poder durante a maior parte da história da humanidade. A democracia liberal em que a maior parte da Europa vive e dá como garantida floresceu apenas no século XX. Tem sido uma feliz exceção no nosso percurso histórico, mas não há garantias de que continue. Desde a Grécia antiga que há exemplos de repúblicas que degeneram em autocracias. E infelizmente temos assistido nos últimos anos ao crescimento de protagonistas políticos antidemocráticos que procuram enfraquecer as democracias liberais ocidentais. Até nos Estados Unidos, grande casa da democracia há 233 anos, um presidente tentou invalidar os últimos resultados eleitorais para se perpetuar no poder.
Não estamos imunes a este fenómeno. Em 2021, a democracia portuguesa baixou de categoria, para democracia com falhas, no Índice Democrático publicado pela revista The Economist. São vários os sinais de aviso a que devemos estar atentos: a alta taxa de abstenção, o afastamento dos cidadãos da política, a partidarização da sociedade ou a forma como as principais posições de poder rodam entre os mesmos, muitas vezes da mesma família. A democracia perde-se nestas pequenas coisas. Nada que se possa pensar completamente fora de hipótese num país onde um recente primeiro-ministro e líderes empresariais estão acusados de se corromperem para acumular poder.
A nossa democracia deve avançar as aspirações de todos os cidadãos, em vez de apenas avançar os interesses de um grupo restrito que controla o poder. Para isso, devemos garantir que quem está no poder não o usa para acumular mais poder e que as regras do jogo democrático são respeitadas acima de qualquer outro interesse.
Barack Obama dizia que o título mais importante não é Presidente ou Primeiro-Ministro, mas sim o título de Cidadão. O melhor antídoto para a perda de qualidade democrática é uma sociedade civil forte e competente, que contribui para melhores decisões que resolvem os verdadeiros problemas dos cidadãos, mantém sistemas de balanços e controlo do poder político e garante a representatividade de toda a população.
Cabe-nos a todos dar força a esse pilar. Em Portugal, a Transparência e Integridade é uma importante associação da sociedade civil focada na fiscalização do poder político. Think tanks como a SEDES, a Fundação Francisco Manuel dos Santos ou o Instituto +Liberdade contribuem com propostas e conteúdo para enriquecer a discussão pública. Mas para além destas organizações, há muitas outras oportunidades para o cidadão comum contribuir, seja ao nível das comunidades locais ou nas várias iniciativas de cidadãos dedicadas a causas específicas.
A Próxima Geração, associação da qual sou membro fundador, é uma nova iniciativa da sociedade civil que visa endereçar precisamente um dos atuais problemas da nossa democracia: trazer novos talentos para o palco político e cívico, através de um programa de 12 semanas para formar jovens que queiram fazer parte deste pilar e reforçar a nossa democracia.
Agora que estão mais do que nunca à vista as consequências de um regime autocrático, não deixemos que a nossa democracia seja mais um dado adquirido que fica sem atenção até subitamente descobrirmos que já não existe. Se todos fizermos parte da solução, de forma informada, colaborativa e construtiva, podemos fortalecer a nossa cultura democrática e tornar Portugal um país melhor para todos.