Mal a semana chega a meio, ali por quinta ou sexta-feira, a coisa começa a notar-se: à porta das farmácias crescem umas filas de pessoas que aguardam para fazer o teste que lhes permitirá ter vida social no fim-de-semana.

Não deixa de ser irónico que para terem a certeza de não estar infectados com COVID comecem logo por se juntar com outros que procuram saber o mesmo (porque a tal são obrigados ou porque já não conseguem encontrar-se com outro ser humano sem o respectivo teste) numas filas que o tempo de espera transforma nuns pequenos ajuntamentos. A seca que assola o país tem aqui o seu único lado positivo: os penitentes dos testes têm sido poupados à chuva, coisa que é de agradecer porque caso contrário não faltariam resfriados, gripes, constipações, catarros… e aquelas várias doenças de que sofríamos todos os invernos e que se extinguiram quando a COVID chegou.

Sem contarmos com os autotestes, já foram efectuados em Portugal cerca de 33 milhões de testes de diagnóstico à COVID-19 desde o início da pandemia. Um terço destes testes, ou seja 11 milhões, foram feitos nos últimos dois meses, ou seja em Dezembro de 2021 e Janeiro de 2022. Desde que foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros que instituiu a obrigatoriedade de apresentação de teste negativo para SARS-CoV-2 no acesso a determinados serviços ou locais, Portugal vive numa espécie de psicose dos testes.

A maior parte dos positivos não apresenta qualquer sintoma e muitos só sabem que estão positivos porque fizeram os testes. Quanto mais positivos aparecem mais testes se fazem pois a cada positivo corresponde uma rede de familiares e colegas que também eles se têm de testar…

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Os testes custaram até agora um terço da verba anualmente afectada ao tratamento do cancro. Não está em causa a sua necessidade nas fases anteriores da pandemia. Outra coisa bem diferente é ter gasto 120 milhões de euros em testes nos meses de Dezembro e Janeiro. A isto juntam-se os técnicos de saúde mobilizados para todo este esforço de testagem a assintomáticos e que não estão a tratar as outras doenças mesmo quando os seus sintomas são evidentes.

Qual o interesse desta testagem massiva além de alimentar essa espécie de campeonato COVID dos títulos dos noticiários que todos os dias nos dão recordes de infectados e isolados, concedendo a custo que o número dos mortos já não é o que era? Sei que a pergunta pode parecer herética mas acrescento desde já que não estou sozinha nesta minha dúvida sobre a utilidade desta testagem nesta fase da pandemia: pelo menos o presidente da República, o Governo cessante, os partidos que tinham assento parlamentar e a Comissão Nacional de Eleições partilham não só destas minhas reticências como fizeram tábua rasa sobre as consequências dessa testagem massiva e deram a sua concordância à marcação de eleições para 30 de Janeiro. Ignoravam eles por acaso que, a testar-se desta forma massiva, se iam obviamente detectar milhares de infectados, logo íamos ter milhares de pessoas em isolamento? Nenhum assessor, consultor, especialista, investigador chamou a atenção para essa inevitabilidade? Ou acharam que esses números não interessavam?

Tal como a ninguém ocorreu que é um risco acrescido numa pandemia convocar eleições para Janeiro, o mês em que a actividade dos vírus respiratórios apresenta em Portugal resultados mais graves?!

Resumindo, estamos a testar massivamente para quê? Para ajudar as autoridades a decidir melhor não foi certamente.

O país tem de se libertar das zaragatoas, do medo e começar a fazer perguntas. Ou seja temos de desconfinar a inteligência.