É necessário entender de vez o que foi o fascismo de modo a não o confundir com as direitas democráticas que despontam hoje. Digo isto para evitar as costumeiras asneiras que povoam as cabeças do público eleitoral português sujeito à mais descarada desinformação e manipulação de que há memória na nossa história colectiva.
O fascismo foi um sistema político ultranacionalista oposto ao cosmopolitismo da modernidade democrática e liberal cujo objectivo foi a transformação da sociedade e do indivíduo, através da ditadura de um partido único, basado numa concepção unitária e global da comunidade nacional. O fascismo quer à força a unidade dos contrários. Caracterizou-se pelo autoritarismo e pelo totalitarismo. O primeiro é o contrário da democracia política e o segundo o oposto da liberdade individual e colectiva. A ditadura que caracterizou o fascismo é antimoderna, repressiva, nacionalista e imperialista. A partir daqui houve várias versões ideológicas; a tradicionalista, como no nosso país, a nacionalista como na Espanha franquista, a «revolucionária» como na Itália mussoliniana e a racista como na Alemanha nazi.
O fascismo foi isto e nada mais. Apareceu, viveu nuns países mais do que noutros, e desapareceu para sempre. Não regressará porque as condições históricas para ele nunca mais existirão. Seria uma aberração nos dias de hoje.
Aquilo a que a esquerda portuguesa chama ainda hoje «fascismo» tem a sua origem numa invenção mal cozinhada pelos ideólogos da III internacional comunista, dita komintern, que, ao sabor de uma nova estratégia, contrária à anterior da «frente única», resolveram, a partir do seu VI congresso, em 1928, adoptar as posições ultraesquerdistas próprias da estratégia da «classe contra classe» e desataram a ver inimigos da classe operária em toda a parte, a que logo chamaram «fascistas», sob os auspícios do camarada Dimitrov, homem de mão de Estaline, cuja boçalidade era proverbial. Viam assim «fascismo» em qualquer partido que a eles se não subjugasse e mesmo aos sociais- democratas alemães passaram a chamar-lhes amorosamente «sociais-traidores», imagine-se! No «fascismo» saído da cabeça dos ideólogos da III internacional (até 1935) cabia tudo. O termo era fácil e barato. Impedia o juízo crítico e escondia a complexidade da realidade.
Foi por isso que o termo se vulgarizou desde muito cedo no nosso país e permaneceu até hoje.
Não queirais pensar pela cabeça do camarada Dimitrov. Não vale a pena desenterrar fórmulas que serviram uma estratégia radical de classe contra classe quando foi considerado oportuno promovê-la para logo ser abandonada a partir do VII congresso da internacional comunista em 1935, já depois do triunfo dos fascismos, que adoptou a estratégia contrária baseada dessa vez nas frentes populares e que tiveram êxito, sobretudo em França; os ex-«fascistas» sociais-democratas passaram a ser forças «democráticas» aliadas.
Ora, aceitar hoje que há «fascistas» a esmo é fazer uma concessão à má-fé e oportunismo. É pactuar com uma expressão que foi escolhida para estupidificar e impedir a compreensão das coisas. E nem serve hoje os propósitos dos verdadeiros comunistas porque os impede de compreender a complexa estrutura do capitalismo actual e sobretudo a difícil estratificação das classes na sociedade fragmentada e pós-tradicional em que vivemos. A estrutura de classes modificou-se muito. Na verdade, a burguesia já não é o que era há oitenta anos e a classe operária tradicional fragmentou-se e quase desapareceu em benefício de uma classe média hegemónica onde estão presentes complexas distinções. Temos hoje uma imensa classe média compósita, transversal a toda a sociedade e com pouca ideologia, lugar de um vastíssimo centro plural e diversificado, sem a consciência de classe de que os comunistas se alimentavam, pilar da estabilidade política e do Estado social.
O fascismo não pesca aqui. E os coitados dos marxistas esbarram contra uma parede para eles intransponível. Lá fora o termo fascismo foi rejeitado há muito por obscurantista, mas cá no país persiste. Não admira. Camarada Dimitrov, tens ainda grandes admiradores «antifascistas» em Portugal. Davam para encher mais que um santuário.
Seja como for, o que é fundamental é entender que os que hoje querem ver «fascistas» em toda a parte, são os mesmo que calaram perante o regime mais criminoso e desumano da história da humanidade, um regime que envergonha a espécie humana, personificado por monstros com o Estaline, Molotov, Vychinsky, Beria, Trotsky, Dimitrov, Mao, Pol Pot, entre tantos outros. É imperativo não esquecer isto.
Chamar «fascista» ao primeiro democrata não comunista é um episódio da luta política? Não. Vindo de onde vem, é um escarro. Chamar fascista a esmo ao primeiro democrata português não socialista é tão infame como dizer, como diz Putin, que são fascistas os nacionalistas ucranianos descendentes dos quase 35 mil judeus que foram assassinados a frio pelos nazis, em Setembro de 1941, em Babi Yar ao pé de Kiev, ou das centenas de milhares de militares ucranianos esmagados no cerco de Kiev pelo exército nazi comandado por Runstedt, em 1941, ou que eram fascistas os mais de 10 milhões de ucranianos que Estaline mandou matar à fome durante o Holodomor, em 1932/3, e sem esquecer os perigosos fascistas cuja fuga para o Ocidente era evitada pelo «muro antifascista» de Berlim.
As palavras têm um significado e não é por grande parte da esquerda portuguesa não o discernir que elas deixam de o ter. A ignorância e o preconceito nada desculpam.