Acontece com frequência, amigos juntam-se, a conversa flui, mas acaba em temas comuns, o futebol, ou…num final de tarde, no café Central, numa cidade bem portuguesa. Há o som de chávenas a serem pousadas nos pires e o inconfundível aroma a café. O ruído de fundo torna o som das conversas vizinhas indistinto

– Então como vai o teu filho?

– É muito bom aluno, tem passado sempre, não pega num livro, passa a vida no computador, mas tem sempre nota positiva. Não vou mandá-lo estudar se não precisa. E os teus?

– Olha, o mais velho tem andado à procura de emprego, tinha um, era o primeiro e vê-lá tu, que foi despedido. Andou na semana académica…

– Mas não acabou o curso?

– Sim, mas sabes como é, foi sempre ele o organizador, nos 10 anos que lá andou e quis ver se as coisas estavam bem entregues, que é um rapazinho responsável. Ora não conseguiu chegar a horas ao emprego nessa semana e o chefe despediu-o, já viste?

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– Lamentável, e a tua filha?

– Olha tenho ido com ela às entrevistas de emprego, tenho conhecido outros pais lá nas salas de espera. Ainda não consegiu nada, mas não deve demorar. Eu sempre fui um pai presente, sabes? sempre a levei às aulas, até às matriculas da faculdade a levava. Lembro-me bem de como tive que ficar a vê-la ser barrada com espuma de barbear quando estava na primeira matricula, coitadinha, tão enfiada…

– E tu Manel? Como está o teu?

– Olha, estava naquela empresa de tecnologia, a TI qualquer coisa. Ao fim de seis meses avaliaram-no e deram-lhe uma classificação de serviço de suficiente, passei-me! telefonei ao chefe dele a pedir-lhe que me justificasse aquela classificação. Sabem o que me disse o tipo? Que se tinha enganado, que pedia desculpa. Mas no dia seguinte despediu-o. Já viram isto?

– O teu não fez Erasmus?

– Ele começou, mas logo na primeira semana telefonou à mãe e tivemos que o ir buscar, não lhe deram apoio nenhum. Tinha que apanhar 2 autocarros só para chegar à universidade, com temperaturas negativas…

– E os cursos, lá fora, não são como os nossos, não os preparam para a vida…

– Pois é, e o teu Fernando? Como está?

– Olha, de férias. Como é uma criança, só tem 17 anos e meio, não o vou por a trabalhar…até é proibido creio.

– Lembras-te da nossa juventude? Iamos apanhar maçã ou para a vindima? E o Rui, lembras-te? Ia dar serventia, era o que ganhava mais. Saía-lhe do pêlo, mas enchia a carteira.

– Se lembro, mas os tempos eram outros. E hoje são muito crianças. Querias que os teus fossem apanhar fruta? Ainda caiam de um escadote, ou se cortavam com alguma tesoura de podar.

– Oh se eram. Mas eu não me posso queixar, o meu sempre foi vivaço. Logo no liceu inscreveu-se na jota. Olha logo no 12º foi convidado para assessor de um vereador. E tem mantido esse emprego. Vai mudando de vereador, mas continua como assessor. Já tem muita experiência. Para o ano vai ser assessor do presidente da Câmara.

– E já acabou o curso?

– Eh pá, sabes como é, não tem tempo. Está lá até tarde, reuniões e mais reuniões. Não fazem nada sem que ele esteja presente.

– Olhem o meu vai repetir o 12.º, sabes que os exames não lhe correram muito bem. Ele que nunca chumbou na escola, é como ali o do Zé…

– Não quererá ir para a tropa?

– `tás tonto? Ele é objector de consciência. É pela paz no mundo…

Entretanto na escola secudária…

– Oh Mariana, diz-me lá, tens alguma proposta de chumbo?

– Tenho duas, Teresa…

–  Duas?! Vê-se mesmo que és nova, não se pode chumbar alun…

– Não?!

– Nunca! Tu sabes o trabalho que íamos ter? E o pior era que íamos ter os pais a moer-nos, dás-lhe um 3 e acabou-se…

– Mas… mas se ele repetir o ano, melhorava as competências na matéria e…

– Mas, mas nada. Nesta escola não se chumba, somos uma escola inclusiva, não elitista. Ponto.

– Já pensaram em fazer testes às capacidades cognitivas dos alunos? Para termos uma base…

– Ora, isso é feito nos testes…e todos os alunos têm direito ao processo de ensino / aprendizagem. Todos.

– Mas quem disse o contrário, eu até queria que o Manel ficasse mais um ano para aprender o que é suposto no ano dele…

– Não, não, esta escola tem um rácio de 100% de passagens nos anos sem exames nacionais. Somos a número um a nível nacional.

– Mas estás a dizer que as notas não contam para a passagem? Como queres passar uma criança que não sabe a matéria?

– Próximo assunto…