Recentemente foi notícia em vários órgãos de comunicação social que “Carlos Moedas pede ao Governo mais policiamento em Lisboa”. O alegado pedido vem no decurso das sucessivas notícias sobre insegurança em Lisboa e designadamente na freguesia de Santa Maria Maior (Alfama) e directamente relacionadas com o aumento da actividade do tráfego de droga e estupefacientes.

Enquanto cidadão e lisboeta é que a CML não tem, constitucionalmente, competências no domínio da Segurança Pública. Recomendo a leitura do artigo 237 da Constituição e da Lei n.º 75/2013, que estabelece o regime jurídico das autarquias locais. Mas é claro que as Câmaras Municipais (e Juntas de Freguesia) têm uma competência e função indirecta: que é a de representar os interesses dos seus cidadãos nas outras instâncias do Estado e usando o seu muito maior poder de influência e alcance mediático conseguirem mudanças. Na prática, nunca nenhum autarca pode responder a um cidadão (como já ouvi): “esse assunto não é da minha competência”. Pode não ser, mas nenhum autarca tem o direito de descartar nenhum assunto que lhe seja apresentado por um cidadão. Por isso, até aprecio que Carlos Moedas não se furte a responder aos cidadãos que lhe pedem mais segurança. Mas já discordo quando o presidente da autarquia não se esforça mais por colocar a sua própria corporação “policial” (de nome, arma e formação) que é a Polícia Municipal a ser mais eficaz e eficiente no cumprimento das suas missões de aplicação dos regulamentos municipais e de, através de uma presença mais frequente e notória nas ruas servir para aumentar o sentimento de segurança dos lisboetas.

Não vejo ninguém a perguntar a Carlos Moedas porque é que não torna a colocar os “seus” polícias municipais a percorrerem a pé – mais – as ruas da cidade nem porque deixámos de ver polícias municipais a patrulhar em Segway as maiores avenidas lisboetas como era habitual há cerca de cinco ou seis anos. Estes agentes (que são, em Lisboa e Porto, agentes da PSP, ao contrário do que sucede no resto do país) poderiam trazer segurança e visibilidade às zonas da cidade que o próprio presidente considera “inseguras” pela sua simples presença e vigilância activa.

O meu historial de contactos com a Polícia Municipal não é de ontem. Na minha qualidade de cidadão activo, autarca e dirigente associativo já servi muitas vezes de ponto de contacto para situações relacionadas com as competências da Polícia Municipal desde, pelo menos, 2016. O balanço destes anos de contactos é – infelizmente – negativo e tem-se vindo a agravar desde que o vereador Ângelo Pereira assumiu funções em 2021. Isto indica que não se trata de um problema de pessoas, mas de formação, motivação e gestão.

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Com efeito,  em contactos realizados por mim próprio (quase sempre em nome de outros moradores) registei um declínio no desempenho da Polícia Municipal (PM) por exemplo:

1. Chamadas para estacionamentos que bloqueiam todo um passeio e que, quando o reboque da PM chega ao local, segue em frente sem parar (falta de gestão);

2. Estacionamentos em zebras em locais recorrentes a que se fecham os olhos (falta de gestão);

3. Chamadas por ruído de obra em que aparecem no dia seguinte à noite do ruído ou a chamadas por ruído de ar condicionado em que, simplesmente, nunca respondem (falta de sistemas de gestão de pedidos) a par de outras chamadas de ruído para um restaurante pelas 22:00 em que a PSP alega “não poder fazer” porque é uma competência da Polícia Municipal mas que esta apenas entra ao serviço no dia seguinte depois das 09:00.

4. Instalação de arames em árvores centenárias em que o polícia de serviço ignorava o Regulamento Municipal do Arvoredo (falta de formação);

5. Alertas para a presença de Sem Abrigo dormindo oculto por debaixo de jornais numa ecoilha colocando a sua vida em risco quando fosse feita a recolha mecânica em que o agente, pura e simplesmente, não sabia o que era uma ecoilha (falta de formação);

6. A uma demissão sistemática da fiscalização do estacionamento irregular em Lisboa (falta de formação e “jogo do empurra” para a PSP e EMEL);

7. O “jogo do empurra” quando a Polícia Municipal é alertada para a existência de dezenas de indivíduos a venderem na Baixa, em toalhas estendidas no chão, artigos contrafeitos e em que a PM diz que, sendo contrafacção é um problema para a PSP e a PSP responde que sendo “venda ilegal” é um problema da PM (falta de gestão);

8. A incompreensível passividade para com o estacionamento selvagem de “Tuktuk” um pouco por todas as freguesias históricas de Lisboa por vezes (p.ex. na Praça D. Pedro IV e frente à Sé Catedral) com veículos da PM e agentes a pé a metros de locais onde dezenas de tuktuk estão impunemente “estacionados” (falta de formação e gestão);

9. É também incompreensível porque é temos – todos os dias – na Baixa na nova “ciclovia partilhada” para peões e bicicletas temos polícias municipais enquanto que, ao lado, na Rua da Prata se vendem no chão artigos contrafeitos e, na rua do Ouro e nas transversais da Baixa se vende “louro” como se fosse “haxixe”: Estes agentes não motivados nem são bem geridos – enquanto recursos humanos que são – ou estas situações não se realizariam todos os dias na maior liberdade e impunidade (falta de gestão);

10. Aos inúmeros sacos com resíduos de obras e das desastrosas obras da J. C. Decaux que violam vários regulamentos e por ordem passaram – durante meses – agentes da PM sem tomarem medidas (falta de gestão);

11. Chamadas que são feitas para o número da PM e que ficam 5, 6, 7 ou mais minutos sem atendimento e que não são devolvidas aos cidadãos (o callback é tecnicamente possível) e
a muitas outras histórias que me vão chegando com uma frequência crescente que criam a sensação de que a Polícia Municipal tem que dar um “salto quântico” de eficiência e na forma como serve a cidade e os cidadãos. A culpa não caberá certamente aos agentes: cabe com toda a certeza à gestão política e organizacional destes recursos, à forma como o seu desempenho é avaliado e premiado e a uma estrutura de gestão que não se ajustou aos tempos.

12. É incompreensível que, quando se sabe que os efectivos da Polícia Municipal são insuficientes porque o recrutamento se faz apenas nos efectivos da PSP (e como se trata de um órgão de fiscalização isso não é estritamente necessário para o cumprimento das suas funções) ainda assim se desperdiçam cerca de 200 agentes em funções de “segurança estática” em edifícios da autarquia como a Assembleia Municipal de Lisboa ou os Paços do Concelho. Seria mais eficaz colocar esses agentes nas ruas e a cumprirem as suas funções e substituí-los por seguranças de empresas privadas.

A Polícia Municipal pode não ser composta dos unicórnios de que Carlos Moedas tanto gosta, mas se o presidente da autarquia dedicasse tanta atenção a estas “pequenas” coisas como dá às “jornadas”, ao Lobby do Alojamento Local e à promoção do seu livro talvez a cidade tivesse uma melhor Polícia Municipal e os regulamentos municipais fossem mais respeitados.

Para que a Polícia Municipal possa funcionar de forma mais eficiente também têm que ser eliminados os seus estrangulamentos em termos de meios humanos. Não é só a gestão e a capacidade para premiar os melhores através de um sistema de avaliação directa pelos cidadãos: por ocorrência e por cada contacto realizado (ou tentado) através de um CSAT por mensagem móvel. Actualmente a cada contacto é apenas enviada uma mensagem-tipo: “Encarrega-me o Exmo. Senhor Chefe da Área Operacional da Polícia Municipal de Lisboa – Superintendente Francisco Fernandes de acusar a boa receção do seu correio eletrónico e somos a informar Vossa Exa. que registámos a sua comunicação.” após a qual não é dado nenhum seguimento (em violação ao Código do Procedimento Administrativo), nem um número de pedido/ocorrência nem, sequer, é enviado um link para avaliação do serviço prestado. Isto é a forma de trabalhar do século XIX, não do século XXI e a culpa e responsabilidade não pode assentar nos homens e mulheres da corporação mas na sua gestão e na incapacidade da mesma para motivar esta força a fazer mais e melhor.

Para além de uma melhor gestão dos recursos existentes é também preciso completar o quadro de pessoal que devia ser de 830 elementos mas que ronda os 600 policias municipais: o número é incerto porque o “Mapa de Pessoal 2024” no site da CML diz que “não inclui as prestações de serviços, nem os efetivos que, estando a prestar serviço na Polícia Municipal (PM), pertencem à PSP”: o que é absurdo e profundamente opaco. A lei que determina que estes funcionários da CML têm que ser agentes da PSP também tem que ser mudada por forma a não esvaziar os já muito depauperados quadros da PSP em Lisboa sendo urgente acabar com esse constrangimento a novos recrutamentos que impede o preenchimento das vagas para polícias municipais.

Em conclusão, a actuação de Carlos Moedas como presidente da Câmara Municipal de Lisboa levanta sérias questões sobre a eficácia e gestão da Polícia Municipal, bem como sobre o papel do próprio autarca na segurança pública da cidade. Enquanto Moedas se concentra em pedir mais policiamento ao governo e, mais recentemente, parece inclinado para a tornar numa força de segurança (funções para as quais não está vocacionada) parece haver uma desconexão significativa entre as responsabilidades municipais e a realidade do dia a dia nas ruas de Lisboa. A ineficácia demonstrada pela Polícia Municipal em várias situações críticas reflecte problemas estruturais que vão além da simples falta de recursos, envolvendo questões de gestão, formação e motivação. Para que a cidade possa verdadeiramente beneficiar de uma maior sensação de segurança e ordem, é necessário um compromisso mais profundo e acções concretas por parte do presidente da autarquia, começando pela valorização e fortalecimento da própria Polícia Municipal. Somente com uma abordagem mais abrangente e resolutiva será possível superar os desafios actuais e garantir que Lisboa seja uma cidade segura e bem administrada.