O que se passou nas eleições francesas comprovou que os sistemas eleitorais foram cuidadosamente planeados e pensados, não para efeitos de elevação da Democracia e representatividade dos cidadãos, mas para proteção daqueles que o criaram.

Analisando a frio os resultados eleitorais, o Rassemblement National ultrapassou os 10 milhões de votos, passando de 89 eleitos para mais de 140. Já o partido de Macron teve uma queda vertiginosa para 6 milhões de votos, número próximo dos tais “vencedores” da noite, a Nova Frente Popular. Primeiro é curioso que num sistema político, um partido com 10 milhões de votos seja o terceiro classificado atrás de dois partidos com 6 milhões de votos. Mais crítico só mesmo que a distribuição de lugares prejudique a força mais votada, atribuindo menos lugares a quem tem mais votos, algo que prejudica a Democracia, retirando-lhe legitimidade e capacidade de representação significativa da população.

E como aconteceu tudo isto? Após a vitória do RN na primeira volta, o impensável (para os mais iludidos) aconteceu. O partido liberal de Macron apressou-se a pedir união e consenso com a extrema-esquerda francesa, numa tática de desistências e apoio ao voto mútuo nos vários círculos para derrotar o inimigo comum, o RN. Para quem não está familiarizado com o sistema francês, é como se a Iniciativa Liberal viesse apelar ao voto na união entre o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda, para impedir o CHEGA de governar. No fundo os liberais franceses preferiram ver ascender a extrema-esquerda, a ter um governo patriótico.

França comprovou uma vez mais uma teoria óbvia: o centro político, seja centro-esquerda, centro-direita ou liberal, está às portas do desaparecimento e da irrelevância. Nas presidenciais de 2027 veremos indiscutivelmente dois blocos: a extrema-esquerda e a direita patriótica. E o culpado é Macron, que preferiu combater o patriotismo e aliar-se ao inimigo histórico da Democracia.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O mais grave disto não é a aliança entre o denominado centro político e a extrema-esquerda, é mesmo que o sistema francês impeça, a menos que exista um largo consenso eleitoral, que uma força política de mudança vença as eleições. Pense, caro leitor, por um segundo nisto, um partido com mais de 10 milhões de votos, com o mesmo peso eleitoral aproximado que os outros dois, fica em terceiro em número de mandatos. Parece-lhe justo, democrático e representativo?

Agora que futuro terá França? Ao contrário da histeria da noite eleitoral, resultante como sempre em tumultos de extrema-esquerda, esta força política não governará, pois não tem peso eleitoral para tal, nem Macron irá alguma vez empossar um Primeiro-Ministro de extrema-esquerda. A tentativa de manter Attal, do seu próprio partido, terceiro mais votado, parece ser a estratégia de Macron, que poderá passar também por um governo tecnocrático de recurso. Se durará 1 ano ou até 2027 é difícil prever, porém um cenário é certo: França será ingovernável até uma maioria estável ser construída, ou até às Presidenciais de 2027.

Então e a “derrota” do RN? O partido de Le Pen cresceu vertiginosamente, atingiu 10 milhões de votos, e terá neste período o monopólio da oposição, face à união eleitoral de liberais e extremistas de esquerda. A história ensina-nos que nestes casos a tendência é de desgaste de uns e ascensão de outros, neste caso do RN, em preparação para as Presidenciais de 2027. Na realidade este resultado foi uma verdadeira força para Marine Le Pen, pois todo o caos francês será o combustível para uma vitória esmagadora para o cargo mais importante, o de Presidente de França.

A rapidez de atribuição de “derrotado” ao RN passa um atestado de ignorância aos seus declarantes, uma vez que a política é muita coisa, mas não é um sprint, é uma maratona de conjeturas, de timings e de acontecimentos, privilegiados pela consistência do crescimento partidário e da popularidade das suas figuras. Neste campo, o tempo tem vindo a dar razão ao RN, e apesar do adiar da chegada ao poder, esta é inevitável.

É literalmente uma questão de aguardar pacientemente, e deixar os acontecimentos se desenrolarem.