A greve dos enfermeiros que começou no dia 22 de novembro, e que deve estender-se até ao final do ano, tem uma característica que a torna única: está limitada aos blocos operatórios dos cinco maiores centros hospitalares do país, em Lisboa, Porto, Coimbra e Setúbal. O objectivo dos promotores é impedir todas as cirurgias programadas nesses hospitais. E, de facto, desde que a greve começou, os blocos estão parados e as cirurgias não se realizam. Os sindicatos dizem que “esta é uma luta também pelos doentes”. Não é. Os enfermeiros querem mais empregos e melhores salários: um desejo legítimo mas que de nada serve a quem continua à espera da cirurgia que já devia ter sido feita. Os sindicatos também afirmam que a greve causa “constrangimentos económicos ao Estado”. É mentira. O Estado não sofre nada com a greve. Quem sofre são os doentes cujas cirurgias ficam por fazer.
Ao limitar a greve aos cinco maiores hospitais do país o objectivo é conseguir que o dinheiro reunido para sustentar os grevistas dure indefinidamente. Nas palavras dos próprios, a greve há-de ser “até quando o governo entender”. Há nisto um elemento de calculismo brutal. A estratégia dos sindicatos é concentrar todo o impacto da greve sobre um grupo de pessoas que, sem ter poder de decisão, é particularmente vulnerável. E esperar que o sofrimento dessas pessoas leve a opinião pública e o governo a cederem – por medo. Chama-se a isto terrorismo: “o agrupamento de duas ou mais pessoas que, em actuação concertada, visem … intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral”. Não interessa para o caso a razão que possam ter, ou não, os enfermeiros. A estratégia que escolheram é malévola e inaugura em Portugal um estilo perigosíssimo de fazer greve.
Greve que foi convocada por dois sindicatos novos, fundados em 2017, o Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal e a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros. Sindicatos esses que foram, em setembro passado, afastados das negociações com o governo pela Federação Nacional dos Sindicatos dos Enfermeiros sob acusações de “abuso de confiança” e de estarem a “inquinar o processo”. Na sequência, os dois sindicatos dissidentes entabularam negociações separadas com o governo e convocaram agora esta greve, que desafia todos os cânones. Há em todo o processo parecenças perturbadoras com o aparecimento do STOP, o sindicato dos professores que, no último verão, chegou para ameaçar “luta a sério”. São movimentos em clara ruptura com o sindicalismo tradicional, que recrutam nas redes sociais e se alimentam de estratégias radicais de confronto e ameaça. Não sei a quem isso aproveita. Aos cidadãos não é certamente.
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