Foi há pouco mais de um ano, em Fevereiro, que o governo de António Costa apresentou o seu “Mais Habitação” que acabou a sair na Lei em Outubro, depois de ter gerado uma onda de controvérsia política e danos económicos, apesar de as medidas mais polémicas terem sido bastante mitigadas. Voltamos à habitação agora em Maio, com o Governo de Luís Montenegro a apresentar um programa que é basicamente uma agenda de trabalho – e, como tal, pouco detalhada –, com uma estrutura de “paper” académico, com medidas do lado da procura e da oferta, e nalguns casos com conceitos para entendidos do sector. Quando olhamos para as medidas, aquilo que se destaca é a falta de coragem política, a incapacidade do Estado e a necessidade que os governos, todos, têm de mostrar que estão a fazer alguma coisa, ainda que saibam que as suas acções pouco ou nada vão garantir mais habitação acessível.

Neste novo pacote de medidas, vale a pena destacar a que se dirige aos jovens, nomeadamente a garantia pública na concessão de crédito e a isenção de IMT e Imposto de Selo – e que o Governo promete concretizar em 15 dias sem se perceber bem como. É uma medida que apoia os jovens no início da sua carreira, ainda que tenha de ser bem desenhada para não criar incentivos perversos que conduzam a um aumento da dívida pública com o respetivo património – que o Estado não sabe usar.

Outra medida interessante, mas que tem igualmente riscos é a que se refere à alteração da lei dos solos, desde que seja muito mais no sentido que lhe deu o ministro da Agricultura quando diz que “vai ajudar a fixação da população e não vai prejudicar a agricultura e será usada pontualmente, por exemplo, para resolver problemas que prejudicam a agricultura”. É o caso quer de pequenas construções para alfaias como alojamentos para trabalhadores frequentemente sazonais. Já se entende menos o que disse o ministro das Infraestruturas quando nos fala do turismo, dos professores e das forças de segurança. Seja como for, é preciso ter cuidado porque terreno urbanizável já existe e os solos agrícolas já estão sob suficiente ataque por parte dos projetos de energia renovável.

Vale ainda a pena salientar a possibilidade criada de parcerias público-privadas para a construção de habitação a preços acessíveis, que, espera-se complemente o plano do “Mais Habitação” de parcerias com os municípios.

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Já medidas como as dos bónus construtivos, olhando para o que já é a selva da urbanização em Portugal parece ser uma péssima ideia. Como não parece uma grande ideia tentar que os bancos alarguem o prazo do crédito para quem quer construir para arrendar. Foram aventuras, não só, mas também no imobiliário que colocaram a banca na situação em que esteve na crise financeira.

Em qualquer dos casos há estrangulamentos que não vão ser fáceis de resolver. Primeiro é a redução significativa do número de pequenas e médias empresas que se dedicavam à construção, que faliram durante a crise financeira e que contavam com um modelo de dívida que hoje se torna praticamente impossível à banca praticar, pelo menos na escala com que o fazia. A oferta por via de mais construção estará limitada no curto e médio prazo.

Há ainda a proposta genérica de criação de novas centralidades. Essa é uma medida em que temos de colocar a hipótese de, quem a sugeriu, não viver no país ou viver no centro das grandes cidades. Uma nova centralidade exige transportes públicos em condições, coisa que o país não tem, pelo menos na área metropolitana de Lisboa e, mais grave ainda, piorou nos últimos anos e mais recentemente com a Carris Metropolitana.  Melhores transportes públicos dariam seguramente também um contributo para resolver a pressão que existe sobre a habitação em alguns sítios, criando condições para que as famílias vivessem mais longe do sítio onde trabalham, sem perderem qualidade de vida.

É aqui que chegamos à falta de coragem política para aplicar as medidas que o diagnóstico do problema exigia. Uma delas é reduzir a procura que nos chega através de não residentes, do que resta dos vistos “gold” e dos que escolhem Portugal apenas para pagarem menos impostos nos seus países, com medidas mascaradas de atracção de mão-de-obra qualificada.

Outra é perceber exatamente porque é que, existindo tantas casas devolutas, como se pode ler no estudo feito pelo INE e pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, elas não entram para o mercado. O problema de falta de casas está basicamente circunscrito ao Porto, Lisboa e Península de Setúbal, onde, com medida na procura, se deviam concentrar os esforços de aumento da construção. Tudo o resto exigia que se desenhassem medidas que combatessem as razões da não colocação das casas no mercado.

Uma das razões é seguramente o receio de não receber a renda sem conseguir de lá retirar o inquilino mau pagador. Daí a importância de dar de facto maior segurança aos senhorios, de que o Estado não pactua com quem não paga, mas pode fazê-lo, ao mesmo tempo que se ajuda quem está em dificuldades.

Outras medidas para colocar mais casas no mercado já existem, com o agravamento do IMI da competência das autarquias. Mas não estão a funcionar, ou porque existe forma de fugir a ela ou porque os autarcas não querem ficar com o ónus de agravar taxas. Mas só com o “pau” dos impostos se pode desincentivar o abandono das casas, sem chegar ao ponto do arrendamento coercivo que o Governo actual se prepara para revogar o que, na pratica, é um conjunto vazio.

Depois de ter assustado os investidores, com o que disse sobre o arrendamento coercivo, o anterior Governo acabou por legislar esse assunto de forma bastante mitigada, deixando o processo para as autarquias. Ora se os autarcas nem coragem têm para agravar o IMI, quando mais para obrigar o seu munícipe a alugar uma casa. Esta medida do “Mais Habitação” é aliás um exemplo de custos económicos, com o susto que pregaram, sem qualquer benefício. O que faz com que a revogação anunciada seja revogar o que nunca existiu.

Olhando para este ativismo dos governantes o que vemos é falta de coragem para não se ficar no meio da ponte que nos leva a ficar com uma mão cheia de nada. Enquanto não existir oferta pública que tenha peso de regulação, o melhor aliado que qualquer Governo tem é o mercado. É deixar o mercado funcionar em condições e proteger com apoios sociais os idosos e as pessoas de mais baixos rendimentos, até se poder substituir pelo menos parte dessa despesa por habitação pública. É ainda preciso coragem política para acabar de vez com o paraíso fiscal em que Portugal se transformou e que está a contribuir para a subida do preço das casas.

Das autarquias esperava-se maior capacidade de actuação já que, pelo menos em algumas, não lhes falta dinheiro. Em vez de gastarem em “festas e festança” de duvidosa utilidade, poderiam e deveriam dar um maior contributo para resolver não só o problema da habitação como também o dos transportes – merecendo aqui especial relevo as autarquias que tratam com total indiferença a degradação do serviço em algumas zonas da área metropolitana de Lisboa com o serviço da Carris Metropolitana.

Finalmente e não menos importante é fundamental simplificar com o foco em dois objetivos: o ordenamento do que é construído e a qualidade da construção. Quem anda pelo país vê bem como toda a burocracia criada não garantiu casas de qualidade que ofereçam o mínimo de conforto energético.

Enquanto quem nos governa não fizer o básico que é o diagnóstico do problema e a identificação de soluções com coragem política e sem restrições ideológicas, continuaremos de plano para a habitação em plano para a habitação, até que o problema deixe de existir porque o mercado acaba por resolver, levando obviamente mais tempo e com mais custos sociais.