Habitação, saúde e o Estado Social, com as pensões de reforma na primeira linha, a par do risco de ingovernabilidade, são sem dúvida os principais problemas que enfrentamos e que gostaríamos de ver o futuro Governo a encontrar soluções. Hoje falamos de habitação.

O elevado preço das casas e a dificuldade em aumentar a oferta tem várias causas, umas específicas a Portugal, outras que estão generalizadas a outros países. A dificuldade em aumentar a oferta rapidamente, quer pelo tempo que uma nova casa leva a chegar ao mercado, quer por falta de financiamento para pequenos projetos, e o facto de PS e PSD não quererem actuar muito na procura que é alimentada pelos estrangeiros com elevados rendimentos limita a resolução mais rápida do problema. A situação agravou-se mesmo para os que têm já uma hipoteca, com a subida dos juros.

O menu de soluções passa assim por aliviar os encargos de quem quer ou já tem uma casa e não tem um rendimento suficiente para os suportar e, ao mesmo tempo, aumentar a oferta acelerando também o ritmo a que as casas chegam ao mercado. PS e PSD actuam dos dois lados do problema, com os socialistas, sem surpresa, a darem maior peso nas soluções do lado da procura e a limitarem a actuação na oferta às iniciativas de construção do Estado. Os sociais-democratas, mantendo os apoios do lado da procura, optam por mais medidas do lado da oferta e nas mãos da iniciativa privada, simplificando, por exemplo, processos.

O exercício que aqui se faz passou por listar as medidas concretas que são apresentadas nos programas  do PS e do PSD  dividindo-as em quatro grandes grupos: Procura incluindo medidas de emergências; Impostos; Legislação o que inclui a simplificação e desburocratização e as políticas do lado da oferta. Há ainda a um conjunto de medidas não incluídas no quadro que se dirigem ao sector da construção e às políticas europeias (no caso do PS) e ao aumento dos transportes públicos para satisfazer o crescimento do perímetro urbano (no caso do PSD).  O ideal seria incluir pelo menos todos os partidos que têm deputados eleitos. Mas, como PS ou PSD serão, com elevada probabilidade, os líderes do próximo Governo, vale a pena perceber o que propõem para resolver este problema. Porque as soluções que se vierem a concretizar não serão muito diferentes.

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Do lado da procura, os apoios do PS são já conhecidos, excepção feita à garantia pública para o financiamento da compra de casa que também é prometida pelo PSD. Aquela que podia ser a grande diferença entre os dois, a limitação à subida da renda, acaba por se esbater com a decisão do Governo de António Costa para este ano, de deixar as rendas subirem de acordo com a inflação.

Os dois partidos pretendem avançar com uma garantia de Estado para o financiamento da compra de habitação por parte dos jovens, com os socialistas a responderem logo à questão do que acontece se o devedor não pagar – o Estado passa a ser o devedor e a cobrar uma renda. Como facilmente se intui, esta solução tem elevados riscos, nomeadamente de atracção de oportunistas. Além disso, as experiências nas autarquias no domínio da habitação social revelam problemas de cobrança, quer por razões de ineficiência, quer porque, o mais frequente, existem custos políticos quando se tenta cobrar as rendas e não se consegue. Se hoje é difícil a um senhorio resgatar uma casa quando quem lá está deixou de pagar a renda, mais difícil será no caso do Estado. Pode já imaginar-se as imagens na TV de famílias a serem desalojadas pelo próprio Estado. É um risco que tem de ser minimizado com regras muito estritas de acesso e para os casos de incumprimento. De qualquer forma, esta é uma medida que a descida das taxas de juro pode tornar desnecessária.

As outras propostas são semelhantes. O PSD, sem surpresa, prefere actuar ao nível do apoio a quem precisa em vez de limitar a subida dos preços, política que está basicamente em vigor com os reajustamentos que o Governo fez ao programa Mais Habitação. O actual Governo do PS tem já consagrado o apoio direto à renda, medida que foi aprovada para estar em vigor até 2028 mas que não se conseguiu identificar no programa eleitoral. António Costa, aliás, aproximou-se mais do que é o modelo do PSD quando permitiu que a legislação de actualização das rendas, que foi suspensa para 2023, voltasse a estar vigor, aplicando-se a taxa de inflação. Sobre este tema, Pedro Nuno Santos já o tinha dito, podemos ler no programa eleitoral que a intenção é alterar a lei para que leve também em consideração os aumentos salariais, mas apenas quando a inflação for superior a 2%.

Numa economia como a nossa e num país com reduzida oferta pública de casas, limitar a subida das rendas é reduzir ainda mais a oferta, por muito que isso seja impopular dizer. Os mecanismos de mercado têm regras que são cumpridas quer concordemos ou não com elas. Ficar no meio da ponte, querer estar e não estar nas regras de mercado, é sempre a pior solução de todas.

No domínio da política fiscal, o PSD tem a sua já conhecida promessa de eliminar o IMT e o imposto de selo para os jovens que comprem a sua primeira casa, uma medida de alcance limitado. O PS, em contrapartida, promete aumentar a dedução em IRS da renda da casa, o que obviamente só se aplica a quem já tem casa e não resolve o problema de tesouraria das famílias – exceção feita se essa dedução fizer parte das tabelas de retenção na fonte. Sobre este tema o PSD nada diz.  A novidade, nos impostos, está na proposta do PS de agravar “as mais-valias em imóveis adquiridos e vendidos sem que tenham sido recuperados ou habitados”, medida que pretende combater a especulação.

Do lado da oferta, o PSD é bastante mais concreto com medidas que reúnem condições para reduzir o tempo e o custo da construção de habitação. Entre elas merecem destaque as propostas de um regime “excepcional e temporário” que elimine ou reduza os custos tributários da construção, compensando as autarquias pela perda de receita; a aplicação da taxa de 6% de IVA nas obras e serviços de construção e reabilitação com alargamento da dedutibilidade; e ainda a flexibilização das limitações de ocupação dos solos e densidades urbanísticas. Existirão seguramente razões que explicam porque é que não se tomam mais medidas para reduzir o tempo dos licenciamentos.

Os sociais-democratas pretendem ainda criar parcerias público-privadas para construir casas. Os socialistas optam, neste domínio, pela continuidade da construção de habitação pública e por “estimular o contributo dos empregadores para soluções de habitação dos trabalhadores”, medida esta que não detalham. Depois, num conjunto de propostas avulsas, apostam na descentralização – como a transferência dos imóveis do IHRU para as autarquias –, em “promover a industrialização do sector da construção” – uma área que pode ser importante para reduzir o tempo de construção – e por prometer actuar ao nível da União Europeia para o financiamento da habitação.

Como se percebe, são propostas que não surpreendem e que fazem do PS e PSD mais iguais do que diferentes, não correndo grandes riscos. Os socialistas limparam do seu programa eleitoral as medidas mais controversas do “Mais Habitação”, caminho que aliás já se tinha iniciado com António Costa. A principal diferença está sem dúvida no facto de o PSD apresentar mais medidas de intervenção do lado da oferta, na tentativa de colocar mais casas no mercado. O que os dois mostram é que não vai haver milagres neste domínio da habitação. As soluções vão levar tempo.