Um estudo da Universidade Católica apurou que os portugueses estão contentes. Dos 1001 sujeitos inquiridos, 80% declaram-se “felizes” ou “muito felizes”, percentagem superior ao que sucedia em 2019. Ou seja, após dois anos em que foram tratados abaixo de cão a pretexto de um vírus respiratório, para não falar dos abusos governamentais que nem se desculparam com o vírus, os cidadãos quase rebentam de alegria.

O estudo não esclarece se a felicidade decorre desse tratamento humilhante ou se existe apesar dele. Quer dizer, é possível que os portugueses rejubilem por causa dos confinamentos, das limitações de circulação, da imposição de cobrir o rosto, das zaragatoas, dos certificados, das multas por comer sandes no carro, da proibição em comprar água em take-away. Ou então o entusiasmo dos meus compatriotas deve-se a outros motivos, que não devem ser os retumbantes sucessos do Benfica e que o estudo não revela. O estudo revela que motivos “materiais” não pesam em tão intensa satisfação. Mais de metade dos inquiridos acham as condições económicas “fracas” ou “muito fracas”. E praticamente dois terços acreditam que a economia ainda vai piorar. E três quartos, repito, sentem-se felicíssimos. Tudo isto é altamente misterioso e tudo isto lembra a velha graçola da hiena, que apenas copula uma vez por ano, alimenta-se de fezes alheias e ri imenso. A hiena ri de quê? E os portugueses?

Uma primeira hipótese é a amostra seleccionada pela Católica ter resultado de um erro grotesco e recaído em indivíduos com graves perturbações mentais. Uma segunda hipótese é a amostragem ser correcta e o erro encontrar-se na cabeça de inúmeros portugueses, incapazes de estabelecer o nexo entre a supressão das liberdades e do dinheiro e uma vida miserável sob quaisquer perspectivas. A ser assim, é tempo de actualizar a canção: “A alegria da pobreza/está nessa grande riqueza/de calar, obedecer, ver sumir o salário a meio do mês para pagar os impostos do combustível, patrocinar vereadores sem pelouro da câmara de Lisboa/e ficar contente”. Todos juntos, agora: “E se à porta, humildemente, bate alguém/cumpra as regras da DGS/coloque o açaimo, mantenha o distanciamento social e não abra”. E venha o refrão: “É uma casa portuguesa, com certeza/é com certeza uma casa que para nosso azar não se confunde com uma casa norueguesa, irlandesa ou sequer luxemburguesa”.

Cantigas à parte, permanece o enigma acerca de uma gente que leva pancada e, de seguida, apressa-se a agradecer aos carrascos. Receio que a tentativa de uma teoria adequada implique o recuo, não de décadas ou séculos, mas de milénios. E mexa com questões delicadas. Os argutos já adivinharam que é o momento de falar do Chega. A recente consagração eleitoral do dr. Ventura recuperou o tema da “raça”, que o partido imagina “pura”, “branca” e “caucasiana”. Ridículo? Sem dúvida, e os justos correram a recordar ao dr. Pacheco de Amorim, ele próprio difícil de confundir com um islandês, as migrações ancestrais que determinaram o que vulgarmente se convencionou designar por “povo português”.

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Foi portanto com a melhor das intenções que se ensinou aos senhores do Chega a marca local de celtas, assírios, fenícios, assírios, árabes, judeus, romanos, visigodos, negros e demais variedades disponíveis. O que esse triunfalismo mestiço e ecuménico não especifica são os atributos, ou falta deles, desses particulares celtas, assírios, fenícios e etc. Dito de maneira diferente: não se defende o carácter benigno das imigrações contemporâneas através da aceitação cega da doçura, da inteligência e da lucidez dos imigrantes de outrora. Antes de festejar a miscigenação de que somos feitos, convinha apurar a qualidade, um a um, dos espécimes que a originaram. Numa época em que o controlo fronteiriço era escasso, e o SEF da altura raramente interrogava imigrantes até à morte, não havia maneira de conhecer as criaturas que entravam pelo território adentro. A verdade é que podia entrar quem calhava. E é legítimo começarmos a desconfiar que só nos calhavam duques – embora não no sentido aristocrático do termo.

Pensem comigo. Um suevo, por exemplo um suevo, instala-se no que é hoje o Norte de Portugal, cerca de 410 d.C.. Não há tradição balnear. Não há alojamentos locais. Não há receitas de bacalhau. Não há cerveja barata. Não há certames patentes. Há pouquíssimas rotundas. Porque é que o suevo apareceu aqui? Porque, provavelmente, não regulava bem. E a probabilidade alarga-se aos demais fulanos que, ao longo de uma vasta cronologia, literalmente montaram tenda no rectângulo que se tornaria um país: não regulavam bem. Resta perceber se desembocaram por cá depois de se perderem, ou se os seus conterrâneos vinham à fronteira despejar os taralhoucos.

Garantido é que, durante milhares de anos, os taralhoucos se reproduziram, marinaram a taralhouquice e nos deixaram exactamente onde estamos em 2022: pobres como sempre e felizes como nunca, a celebrar um presente sombrio e um futuro negro, mesmo que com “brancos” à mistura. O absurdo português não se explica pela História, e sim pela psiquiatria. Infelizmente, o manicómio funciona em auto-gestão.