Há uns bons anos, os irmãos Francisco e António herdaram cada um 200.000 euros de um avô que, à custa de uma vida modesta, tinha esse montante em poupança no fim da vida. Ambos os irmãos mantiveram o dinheiro herdado em contas poupança, no mesmo banco onde o avô finado já tinha tal depósito.

A dado passo o Francisco entendeu que podia obter melhor rendimento com esse dinheiro que o juro com que esse banco lhe remunerava a poupança, constituída como depósito a prazo sem risco. Vai daí, decidiu levantar todo o montante e adquirir um “papel comercial” da Rioforte, uma empresa do grupo BES, tendo até feito gáudio desse excelente investimento nas câmaras de televisão. Fez as contas e conscientemente trocou um investimento seguro por uma aplicação de risco, muito melhor remunerada. Não se tratava de um reformado enganado pelo seu gerente da agência e que julgava estar a comprar “papel” do BES. Era um investidor consciente e informado. O irmão António, não tendo o predicado da ganância, manteve a aplicação financeira, menos remunerada, mas segura.

O resto da história já sabemos: a Rioforte era um puro esquema de pirâmide, gerido por uma D. Branca com sede na Avenida da Liberdade. Acontece que esse mesmo irmão Francisco, disfarçado de reformado senil depois do fiasco, vem solicitar o reembolso do seu investimento de risco, à custa do erário público. Como as investigações ao caso BES não conseguem destrinçar entre o reformado enganado e o especulador ganancioso, talvez um dia, se ainda forem vivos, algum do dinheiro dos impostos do António, vá compensar as opções aventureiras do Francisco.

Quando o mercado da energia foi liberalizado, como pessoa prudente, o António manteve os seus contratos de energia no mercado regulado. O Francisco, esperto como sempre, passou de imediato para o mercado liberalizado, sabendo que tendo feito essa opção não poderia voltar ao regime regulado e protegido. Escolheu então o operador que apresentava a melhor tarifa e desde então tem pago menos pelo seu consumo que o irmão António, a quem já várias vezes chamou burro, por não se mexer para poupar mais uns euros em cada factura.

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Agora, não por responsabilidade de uma D. Branca com sede na Avenida da Liberdade, mas de um tal sr. Putin com sede em Moscovo, o irmão Francisco está de novo metido em sarilhos. A sua factura da energia pode aumentar perto de 100%. Talvez fosse este o momento para o irmão António chamar burro ao Francisco, mas parece que o melhor é ficar calado e não se precipitar.

Afinal, tudo indica que quem esteve por opção voluntária a poupar dinheiro no mercado liberalizado, pode voltar ao mercado regulado, contra tudo o que foi decidido há anos. Portanto realmente o burro continua a ser o António, porque confia nas instituições públicas, nos compromissos, nos regulamentos e na lei. Coisas que pelos vistos são desconhecidas por quem por elas devia velar e cumprir: o governo. Avizinha-se pois mais uma fraude – é disso que se trata, sejamos claros – em relação aos consumidores que se mantiveram no mercado regulado. Baixar o IVA na factura, isso sim, inteiramente legal, é que o governo nem quer ouvir falar.

Tal como na energia, também nos contratos de crédito, nomeadamente no da habitação, os mutuários podem escolher entre pagar uma taxa fixa – mais alta – ou pagar uma taxa variável indexada à Euribor.

Já perceberam que na compra da sua habitação, o Francisco optou pela taxa de juro variável e o prudente António por uma taxa fixa. Claro que o irmão António tem pago uma prestação mensal mais elevada que o Francisco. Acontece que as taxas de juro variável estão já a aumentar e o Francisco começa a perceber que em breve, vai pagar mensalmente mais que o António.

Mas provavelmente e de novo, não terá de se preocupar, pois logo que a subida se torne socialmente complicada, o governo encontrará uma forma de compensar os perdedores de algum modo, mesmo que para isso prejudique quem optou por soluções mais seguras, mas mais onerosas.

Na verdade, se cumprir os compromissos públicos e até as próprias leis prejudicar o voto em quem governa, os compromissos serão para esquecer e a lei será alterada, com a velocidade com que o diabo esfrega um olho.

Se existem mais eleitores com contratos de energia no mercado liberalizado e mais eleitores com contratos de crédito à habitação com taxa variável, então serão esses que o governo irá proteger, com toda a ilegalidade que for necessária e à custa ou em manifesta injustiça em relação aos restantes.

O poeta Alexandre O’ Neill, dizia “sigamos o cherne”. Não será difícil perceber qual dos irmãos é o cherne a seguir, pois não?