Na quarta-feira passada ocorreu um estimulante debate online sobre a missão da Universidade. O ponto de partida não era exactamente a chamada “questão das estátuas” e esta foi apenas mencionada de passagem. Mas o debate permitiu abordar muitos dos factores que podem contribuir para explicar — sobretudo pela ausência — a chamada “revolução cultural em curso”.
O ponto de partida do debate foi a 28ª edição anual do Estoril Political Forum, que teria decorrido entre segunda e quarta-feira da semana passada (22-24 de Junho) no Hotel Palácio do Estoril — mas que teve de ser adiada para 19-21 de Outubro devido à covid-19. O tema permanece o mesmo — “New Authoritarian Challenges to Liberal Democracy” — e a maior parte das dezenas de oradores previstos para Junho confirmou a sua intenção de presença em Outubro. E muitos acharam também oportuno reunirem-se online no dia em que o Estoril Political Forum, em circunstâncias normais, teria concluído no Hotel Palácio (a passada quarta-feira).
No centro do debate esteve a reflexão sobre a tradição dos Encontros Internacionais de Estudos Políticos, iniciados em 1993 no Convento da Arrábida, com menos de 20 participantes, e culminando na 27ª edição, em Junho de 2019 no Estoril, com 749 participantes registados. Todas as intervenções, verbais ou escritas — vindas de Washington, São Paulo, Lisboa, Londres e Oxford, Paris, Praga, Cracóvia e até de Anchorage, no Alaska —, concordaram em sublinhar o “poder das ideias” e a “excitação das ideias” como factor crucial para explicar a longevidade e o sucesso do Estoril Political Forum.
Por outras palavras, foi em torno de ideias e por causa de ideias que uma vasta família internacional de académicos, jornalistas, diplomatas (e alguns políticos) achou interessante acorrer anualmente ao Estoril Political Forum desde 1993. Isto pode seguramente parecer implausível numa era dominada pelas chamadas “redes sociais” — em que tudo ou quase tudo é reduzido a conspirações de interesses, de grupos de poder, ou de tribos e seitas identitárias.
Marc Plattner, co-director fundador (1990) do Journal of Democracy, com sede em Washington, foi muito enfático em definir a ideia central que preside ao Estoril Political Forum (desde pelo menos a primeira edição em que participou, em 1998, ainda na Arrábida): o comum comprometimento com a ideia da democracia liberal — incluindo as economias de mercado, o sistema de separação e controlo mútuo de poderes [checks and balances] e acima de tudo a liberdade pessoal. “Sobre este tema nós nunca fomos neutros”, sublinhou Plattner. Mas também precisamente por causa disso, prosseguiu, fomos sempre pluralistas e sempre procurámos trazer ao debate pontos de vista diferentes e rivais, de esquerda, de centro e de direita — desde que partilhassem do chão comum da democracia liberal. É justo recordar aqui os nomes de Karl Popper e Isaiah Berlin como referências cruciais da liberdade e do pluralismo entre os participantes do Estoril Political Forum.
Em segundo lugar, foi sublinhado o comum apego à Aliança Atlântica como suporte crucial da democracia liberal e do Mundo Livre. No Estoril Political Forum sempre foi clara a defesa da tradição europeia e ocidental da liberdade sob a lei. E sempre foi claro o entendimento de que esta tradição pluralista assenta num diálogo e numa tensão cujas raízes remontam a Atenas, Roma e Jerusalém. No mundo moderno, essa tradição inclui a experiência democrática americana, como Alexis de Tocqueville não se cansou de sublinhar.
Em terceiro lugar, foi sublinhado o comum apego ao clássico entendimento da ideia de Universidade como “a place of learning”, para usar a tocante expressão de Michael Oakeshott. Isto significa o entendimento da Universidade como o lugar da busca desinteressada da Verdade, do Bem e do Belo — e não como um lugar de propaganda. Isto por sua vez implica a intransigente defesa da liberdade de expressão e a intransigente recusa do tribalismo e do coletivismo, da guerrilha menor e entediante entre seitas. Isto implica também uma permanente conversação, pluralista e civilizada, entre diferentes pontos de vista e a recusa da guerrilha ideológica entre “dicotomias infelizes”, para usar a feliz expressão de Ralf Dahrendorf.
Em suma, as ideias e a conversação tranquila sobre ideias têm uma energia empreendedora que os agitadores e propagandistas que vandalizam estátuas simplesmente ignoram. Será por isso talvez oportuno concluir recordando as palavras de John Henry Newman sobre The Idea of a University (1854):
“A University is a place where inquiry is pushed forward, and discoveries verified and perfected, and rashness rendered innocuous, and error exposed, by the collision of mind with mind, and knowledge with knowledge.”