1 Terão passado curiosamente despercebidas entre nós as recentes iniciativas do Governo britânico em defesa da liberdade de expressão nas Universidades e na sociedade em geral. Em contrapartida, o tema vem ocupando as páginas de opinião dos jornais britânicos desde terça-feira passada.

Foi, com efeito, na terça-feira da semana passada, 16 de Fevereiro, que The Daily Telegraph noticiou o tema na primeira página (da edição em papel e da edição online): “Direito de apelar aos tribunais para académicos que sintam estar a ser-lhes negada liberdade de expressão”. Na página 2 da mesma edição, o ministro da Educação, Gavin Williamson, escreve um breve e incisivo artigo de opinião sobre o tema: “Novas leis procurarão defender o discurso livre nas nossas universidades”.

2 Gavin Williamson começa por recordar os crescentes e muito preocupantes sinais de censura promovida nas universidades por grupos activistas militantes (em regra auto-designados woke). Estes sinais incluem boicote de conferências e palestras, campanhas de intimidação nas redes sociais, imposição de regras censórias sobre opiniões que não podem ser expressas, entre muitos outros.

Em vários casos, as próprias autoridades académicas têm cedido às ameaças das patrulhas militantes. Começam a ser oficializados os chamados “códigos de conduta”, nos quais, em nome da “segurança emocional” são impostas gravíssimas restrições ao discurso livre (free speech) na Universidade.

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Gavin Williamson declara-se defensor irredutível do discurso livre e recorda que este é um princípio ancestral e fundador da Ideia de Universidade. E recorda que foi o escrupuloso respeito por esse princípio do discurso livre que sempre distinguiu — e permitiu — a qualidade de topo mundial das Universidades britânicas.

Por essa razão, prossegue Williamson, ele está agora a propor nova legislação para defender e reafirmar a liberdade de expressão nas Universidades.

3 No centro das várias propostas, encontra-se a consagração na lei de que a Universidade tem o dever de garantir e proteger o discurso livre. A ideia não é atribuir ao Governo poderes para interferir na vida académica. Pelo contrário, a ideia é simplesmente assegurar aos professores, alunos e funcionários — numa palavra, às pessoas —  a possibilidade legal de apelarem aos tribunais: se e quando sentirem que a liberdade de expressão está a ser ameaçada.

4 Talvez não fosse desinteressante acompanhar entre nós o intenso debate britânico sobre a liberdade de expressão.

Um primeiro ponto que talvez pudesse ser tido em conta é que a defesa do discurso livre é assumido por um Governo conservador (seguramente no sentido britânico do termo). Eles não estão a combater uma ortodoxia politicamente correta de (extrema) esquerda, em nome de uma ortodoxia rival de direita (muito menos de extrema-direita).

Há aqui um contraste interessante com a conduta de Governos conservadores de outras paragens, por exemplo a Hungria e a Polónia. Também estes sentem, a meu ver legitimamente, a pressão das patrulhas “politicamente correctas”. Mas, em vez de responderem com a “rule of law”, respondem com a tentativa de imposição de outra ortodoxia, neste caso anti-politicamente correcta.

Em marcado contraste, o Governo conservador britânico está simplesmente a defender o princípio sagrado da liberdade de expressão numa sociedade livre. Talvez me seja permitido recordar que foi este mesmo princípio que foi estoicamente defendido pelo liberal-conservador Winston Churchill — quando o continente europeu sucumbia perante guerras tribais entre fanatismos rivais, comunistas e nacional-socialistas.

5 Será talvez relevante inquirir por que motivo o conservadorismo britânico, diferentemente do conservadorismo continental, atribui à liberdade o seu valor central. Seria um tema para longa conversação. Em rigor, a pergunta devia ser alargada ao trabalhismo britânico — que nunca foi marxista e sempre defendeu a reforma contra a revolução.

Atrevo-me a sugerir que um dos motivos centrais reside na confiança na lei natural e, consequentemente, no bom senso das pessoas comuns. Ao contrário das teorias continentais, de esquerda e de direita, sobre “o Estado como lugar da Razão”, a tradição da cultura política britânica assenta na confiança no bom senso das pessoas comuns — e, consequentemente, na desconfiança na alegada sabedoria de alegadas “vanguardas  esclarecidas”.

Por outras palavras, não precisamos de choques fundamentalistas entre ortodoxia rivais que aspiram à supremacia absoluta. Precisamos, simplesmente, de mais liberdade sob a lei.