Nos passados dias 2 e 3 de Dezembro, teve lugar mais uma reunião do grupo de nove cardeais que assessora o Papa Francisco. Estes encontros informais – não são Consistórios, para os quais são convocados todos os cardeais, nem Sínodos, que contam com uma representação do episcopado mundial – realizaram-se em Fevereiro, Abril e Junho de 2024, com periodicidade trimestral.
Na última reunião do G9, o Cardeal Marcello Semeraro, prefeito do Dicastério para as Causas dos Santos, expôs alguns aspectos relativos à colegialidade na Igreja, à luz das conclusões do recente Sínodo, nomeadamente a relação entre as Igrejas particulares e as assembleias eclesiais. Por sua vez, o Cardeal de Bombaim, Oswald Gracias, fez uma exposição sobre a missão evangelizadora dos núncios apostólicos, ou seja, dos embaixadores da Santa Sé nos diferentes países que reconhecem a personalidade jurídica internacional da Igreja católica e com ela mantêm relações diplomáticas.
Um tema recorrente destes encontros é a condição da mulher na Igreja. Como é sabido, não obstante a muita pressão para que o recente Sínodo propusesse a admissão das mulheres ao diaconado, primeiro grau do Sacramento da Ordem, o Papa entendeu mais oportuno não o fazer. Decepcionou os que pretendiam essa reforma, mas também os que, já cansados desta recorrente polémica, desejavam que, depois de estar assente a não admissibilidade das mulheres ao presbiterado e ao episcopado, se declarasse definitivamente a improcedência do diaconado feminino, não apenas por razões de tradição – em dois mil anos de Cristianismo, nunca nenhuma mulher foi admitida a nenhum grau do Sacramento da Ordem na Igreja católica – mas também por razões de legitimidade teológica: uma Igreja que introduzisse uma tal inovação continuaria a ser a Igreja católica, fundada por Jesus Cristo, que instituiu a Pedro como seu primeiro Papa?!
A experiência anglicana é elucidativa a este respeito: quando essa confissão cristã admitiu mulheres como pastoras e até ‘bispas’, muitos fiéis – também sacerdotes e bispos – abandonaram o anglicanismo e foram recebidos na Igreja católica que, para esse efeito, criou, no Reino Unido e nos Estados Unidos da América, ordinariatos ad hoc. Se um Papa desse esse passo, é provável que muitos católicos abandonassem a Igreja, talvez emigrando para os ortodoxos, que mantêm a exclusividade masculina dos seus ministros, ou para comunidades católicas mais tradicionalistas, como já acontece em relação aos amantes e defensores da antiga liturgia romana.
É verdade que se impôs, como um dogma civil, a igualdade laboral entre homens e mulheres e, por isso, já não há profissões que estejam vedadas ao sexo feminino. Ninguém se escandaliza por haver mulheres na política, nas Forças Armadas e de Segurança, etc. Algumas actividades permanecem preponderantemente masculinas, como a construção civil, mas a presença da mulher no mundo do trabalho é uma realidade inquestionável que a hierarquia católica não pode ignorar. Que a Igreja acompanhe o progresso da civilização não quer dizer que o deva imitar, pois a sua origem e missão é diversa. Mas pode reter alguma coisa destes movimentos cívicos, que representam um avanço no que respeita ao reconhecimento da igual dignidade de homens e mulheres.
Na moral conjugal, a pastoral da submissão da mulher ao marido já deu lugar à compreensão da sua igual dignidade, na diversidade das suas funções familiares. A machista tolerância para a infidelidade conjugal masculina é hoje, graças a Deus, inadmissível na Igreja católica: ambos os cônjuges estão igualmente obrigados à fidelidade matrimonial. Entre os cristãos, há também exemplos de excelentes desempenhos profissionais femininos: na docência universitária, no exercício da medicina, na administração da justiça, na investigação científica, nas artes, etc.
É óbvio que o papel da mulher cristã no lar é uma das suas principalíssimas funções na Igreja e no mundo: como esposas e mães são, mais do que os homens, o alicerce da família e as primeiras catequistas dos filhos. Um padre dizia que a melhor doutrina que sabia era a que tinha aprendido ao colo da sua mãe. Mesmo não sendo teóloga, a mãe cristã ensina não apenas com a palavra, mas com o seu exemplo, o seu afecto e a sua vida de serviço luminoso e alegre à família.
A dedicação tradicional das mulheres à família não pode ser desculpa para lhes vedar outros desempenhos profissionais na Igreja, a qual deve respeitar a igual dignidade de mulheres e homens, sem esquecer a especificidade de cada qual, ou seja, sem clericalizar a mulher. A tentativa de as admitir ao diaconado é, na realidade, uma manifestação eclesial de um certo clericalismo machista, porque pressupõe que o homem ordenado é o arquétipo que todos os fiéis devem imitar, incluindo as mulheres. Na sua recente visita à Bélgica, no encontro com estudantes universitários, o Papa Francisco disse: “Não é o consenso, nem são as ideologias que sancionam o que é caraterístico da mulher, o que é feminino.” E, depois, acrescentou: “é triste quando a mulher quer fazer-se homem: não, é mulher, e isto tem peso, é importante.”
Jesus Cristo, que era igualmente seguido por homens e mulheres e que a todos chamou à santidade e ao apostolado na Igreja, sempre respeitou essa diferença e, por isso, reservou para o sexo masculino o ministério ordenado – não é por acaso que os doze apóstolos e os sete primeiros diáconos eram todos homens –, excluindo as mulheres dessa missão específica, mas não do apostolado na Igreja. Como escreveu Gustavo Borges, “Jesus, na sua autoridade, podia ter dirigido esta missão às mulheres que com ele andavam, mas não o fez. E não foi, como alguns dizem, porque à mulher lhe era exigido ficar em casa e cuidar da família. Fê-lo porque foi sua vontade, porque ele pretendia que a mulher tivesse outro papel e outra missão. Uma missão igual em dignidade e valor, mas diferente na forma e no conteúdo” (www.claustro.carmelitas.pt). Com efeito, Maria Madalena, sem ser diaconisa nem sacerdotisa, foi ‘apóstola dos apóstolos’, porque foi quem, em primeiro lugar, anunciou a ressurreição de Cristo. Foi também uma mulher que recebeu, de forma absolutamente singular, o maior privilégio outorgado jamais a alguma criatura: o de ser Mãe de Deus e, por isso, concebida sem pecado original!
Em Maria se realizaram todas as vocações femininas, porque Nossa Senhora, sem necessidade de receber o Sacramento da Ordem no grau do diaconado, é uma verdadeira ‘diaconisa’, isto é, serva de Deus, como virgem consagrada ao serviço da Igreja e, em simultâneo, mulher casada com São José e Mãe de Jesus.
Salvé Rainha e Padroeira de Portugal!