Alexandre Pais considera que a imagem é tudo. Para corroborar a sua apreciação informa-nos sobre a «robustez» de Maria Botelho Moniz e a sua falta de «disciplina», isto é, de dieta, e sobre a flacidez de Cristina Ferreira, isto é, falta de ginásio. Não satisfeito com a qualidade da informação prestada naquela sua crónica, reforça-a com exemplos de elegância e tonicidade, a dos corpos de Catarina Furtado e de Sónia Araújo. Porque isto não é suficiente, ainda dispensa sentenças sobre o desperdício de Maria Botelho Moniz da oportunidade de uma vida, a saber, apresentar o programa da manhã da TVI com a aparência que tem, sem mais sacrifícios em prol da imagem.
Assim, e porque sobre a qualidade dos desempenhos profissionais nada disse, e porque sobre a robustez de César Mourão, por exemplo, nem uma palavra, ou sobre a flacidez de Fernando Mendes, outro exemplo televisivo, nada também acrescentou sobre oportunidades desperdiçadas, parece coisa do mais abominável machismo. Parece e é. Afinal, nem Maria Botelho Moniz nem Cristina Ferreira, nem qualquer mulher têm de se apresentar com o corpo que gratifica Alexandre Pais ou qualquer homem, seja de terceira idade, de meia idade ou na plena juventude hormonal que avalie as mulheres em ecrã com os mesmos critérios daqueles que se sentam nas esplanadas perto das escolas secundárias a ver as meninas.
Ao contrário de Cristina Ferreira, e de quem quer que tenha feito queixa à ERC, não penso que o texto de Alexandre Pais mereça qualquer atenção judicial: a liberdade de expressão permite, tem de permitir, a opinião de Alexandre Pais. Mesmo quando ela é vergonhosa – não apoiarei a censura venha ela sob que forma vier: das sensibilidades pessoais, ao politicamente correcto, ou ao revisionismo literário de esquerda ou de direita.
Há, no entanto, um ponto nesta questão: a televisão vive, de facto, da imagem. E da imagem conforme Alexandre Pais a concebe. Não é preciso ir muito longe.
Das telenovelas aos reallity shows, passando pelos telejornais e programas de entretenimento, o ecrã está cheio de dentes de porcelana, mamas de silicone, maçãs de rosto e lábios injectados, botox e lipoesculturas, nas mulheres; as mesmas facetas, preenchimentos, botox, e esteroides, nos homens. A estes procedimentos chamam «cuidar de mim», e outras vacuidades, com ou sem patrocínio de clínicas ditas de estética, dentistas, marcas de dietética ou suplementação. Porquê? Porque concordam com Alexandre Pais. Sabemos que a maioria destas pessoas clinicamente modificadas não vai para o ecrã por mérito, as gerações mais jovens, claro, vêm das redes sociais. É-se selecionado pelo número de seguidores e engagement: diz-me quantos seguidores tens e dir-te-ei quem és. Pior, quem podes ser.
Afinal, o que são as televisões generalistas se não forem lugares de venda de produtos e serviços interrompidos pela programação? Quem decide é o consumidor. Se este quer mulheres esbeltas com menos de 50 anos é o que se lhe dá. Se quer de 20 e silicone também.
Será preciso recordar que Paulina Porizkova foi insultada por envelhecer sem fazer plásticas ou injectáveis? Considerada fisicamente «nojenta»? E Sarah Jessica Parker por não pintar integralmente o cabelo e não querer fazer botox? Isabella Rosselini saiu da Lancôme aos 42 anos por ser considerada demasiado velha, para regressar só agora, altura em que as mulheres têm poder económico e de representação, portanto, poder de decisão sobre o que, quem, e em que circunstâncias aparece num ecrã e nas páginas das revistas.
Quem são, de facto, as mulheres e os homens que apoiam as mulheres como Paulina Porizkova, Sarah Jessica Parker e Isabella Rossellini? Maria Botelho Moniz?
Alexandre Pais é só mais um lamentável machista anacrónico para quem a imagem é tudo. Mas será só isso? Não quererá, nesta lógica comercial das redes sociais em que os media progressivamente se transformam, a atenção que não tem com a ajuda da polémica, da indignação das mulheres e de Cristina Ferreira? Não quererá leitores como quem quer seguidores?
A nós cabe-nos perguntar: a imagem é tudo?
A autora escreve segundo a antiga ortografia