Bluff contra bluff. Assistir aos debates entre António Costa e Jerónimo de Sousa. ou com Catarina Martins, foi como vermos ao vivo o reencontro entre pessoas que sabem não poder dizer toda a verdade sobre o que as desuniu. PCP, BE e PS travaram um jogo de enganos que não podem assumir, daí aquela sensação de desconforto, que nada tem a ver com divergências políticas e ideológicas, que emanava dos olhares que trocavam.
O BE queria estar na oposição ao governo do PS mas não queria que o governo caísse.
Já o PCP queria fazer de conta que ia derrubar o Governo e que no final o salvava após ver satisfeitas as suas exigências.
Marcelo Rebelo de Sousa ameaçou com a convocatória de eleições caso o OE não fosse aprovado para forçar um entendimento do PCP e do BE com o PS. Obviamente Marcelo não previa nem queria convocar eleições algumas. Queria sim, uma vez o OE aprovado, dizer que tal se ficara a dever ao seu poder de persuasão e ao seu talento como desbloqueador dos impasses do regime.
Estavam portanto os três, PCP, BE e o PR a fazer bluff, ou seja, dizendo-se prontos para uma coisa, novas eleições, que na realidade não só não queriam como temiam.
Mas como geralmente acontece a quem faz bluff esqueceram-se não só que eles não eram os únicos a fazê-lo mas também, e sobretudo, que havia quem tivesse muito a ganhar se fizesse de conta que acreditava que do outro lado se falava verdade. Refiro-me ao PS, naturalmente.
O PS estava farto do BE (não tanto por o BE ser de extrema-esquerda mas sobretudo porque o estilo do BE irrita António Costa) e a meio das bizantinas negociações com o PCP, António Costa somou aquilo que as sondagens lhe davam mais o que davam ao PAN e talvez também a esse caso notável de sobrevivência no ecossistema Político-Mediático que é Rui Tavares e concluiu que o chumbo do Orçamento podia ser o pretexto qb para o Governo apresentar a demissão e ir para eleições. Para tal bastava ao PS também ele fazer bluff. Qual bluff? O mais eficaz de todos: fazer de conta que acreditava que do outro lado da mesa se falava verdade. Ou seja que o BE e o PCP queriam mesmo ir para eleições e que o PR falava verdade quando avisou que as convocaria caso o OE não fosse aprovado.
E assim chegámos a umas eleições que aqueles que as provocaram. PS, BE, PCP e presidente da República, dizem não ter desejado. O que em parte é verdade mas esqueceram-se do essencial:
Só na poesia, na táctica militar e no amor resulta expressar o contrário daquilo que se deseja.
Na política, na estratégia e na separação o desejo tem de coincidir com as palavras que pronunciamos.
O bluff do chumbo. António Costa agarra-se ao chumbo do Orçamento do Estado em 2021 como Sócrates ao chumbo do PEC IV em 2011. Em 2011, o Governo socialista ia fazer o que não fez, conseguir o que falhava, obter o que já perdera, caso as oposições não tivessem chumbado o PEC IV! Em 2022, esse poder genesíaco de um documento na vida dos portugueses foi transferido para o Orçamento para 2022. Desde o genérico “travar de avanços” vaticinado por António Costa aquando do chumbo do orçamento ao bizarro anúncio por parte do ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, de que o “Chumbo do Orçamento travou novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional”, os socialistas portugueses têm uma fé nos poderes transformadores dos documentos por si produzidos e chumbados pelas oposições que só tem paralelo naquelas associações religiosas que outrora se mobilizavam para deixar bíblias nos quartos de hotel.
Aparte esta característica, outra bem mais danosa para o país está presente nesses documentos. Quando se comparam o PEC IV e o OE para 2022, há um denominador comum: o medo do PS às reformas. Um governo PS pode cortar despesa e impor a austeridade, como acontecia no PEC IV, pode ter como principio fundamental as chamadas contas certas, como acontece neste OE, mas recusa qualquer reforma. E recusa porque não pode – tem medo de perder o voto dos dependentes do Estado – e porque não quer: reformar o pais implica tornar os portugueses menos dependentes do Estado, logo diminuir o poder de uma máquina que o PS controla de cima abaixo.
Em 2011, o PS no PEC IV impunha ao país a austeridade sem fazer uma única reforma. Em 2022, o PS ilude a estagnação fazendo de cada português um potencial apoiado, subsidiado ou dependente do Estado. O chumbo desses documentos não foi um problema para os portugueses mas sim para o PS que, qual ilusionista, se sentiu momentaneamente desapossado da varinha mágica.
O bluff do telefonema na noite das eleições. Se ganhar António Costa vai ligar para o PAN? Ou para Rui Tavares? E se o vencedor for Rui Rio do outro lado da linha vai estar Cotrim de Figueiredo ou Francisco Rodrigues dos Santos ou o próprio António Costa?… Confesso que esta especulação me entretém mas sei que talvez esta especulação seja o bluff em que todos participamos. Afinal, sabemos que as chamadas que realmente contam para as nossas vidas, para nos podermos financiar, para manter a funcionar hospitais, escolas, tribunais… não são essas mas sim as que são mantidas com o BCE.
Portugal é o país que nesta campanha ilude a sua crescente dependência, transformando em questões fundamentais assuntos laterais, como a prisão perpétua, e reduzindo o acto de governar a uma discussão sobre quem serão os beneficiados pelas dádivas governamentais que por sua vez são garantidas pela UE.
Um país endividado como o nosso é um país sem liberdade, logo dependente de quem está do outro lado da linha telefónica na sede do poder que obviamente não está em Portugal. Com o cenário internacional a agravar-se, com a inflação que era passageira a mostrar que vai ficar, com o BCE a anunciar que no próximo mês de Março acabará o programa especial de compra de dívidas por causa da pandemia, ser o próximo primeiro-ministro não é necessariamente o que António Costa pretende.
Tenho a convicção de que a aspiração de António Costa é precisamente conseguir um resultado que lhe permita na noite das eleições mandar recado a Rui Rio pedindo-lhe para ligar mais tarde e falar com Pedro Nuno Santos. Ou, mais visualmente falando, um resultado que lhe permita ter um bom argumento para passar para o outro lado do telefone, o que está na Europa.
O socialismo tornou Portugal uma cadeia humana de gente que pergunta a quem está acima se já pode ir ao banco. Daí a importância de quem atende o telefone. Daí que o poder se meça pelo lado do telefone de que se está.