Este ano no 10 de Junho elogiam-se os emigrantes ou estes ficam de quarentena até que se esqueça o resultado dos votos da emigração destas legislativas? O desagrado duma parte da pátria com os emigrantes não começou agora que os seus votos deram dois deputados ao Chega, um à AD e outro ao PS. Logo em meados do século passado não lhes perdoaram terem-se metido ao caminho das democracias burguesas com o projecto firme de enriquecer em vez de ficarem aqui a protagonizar as páginas antecipadamente gloriosas da luta de classes.

Esta espécie de traição ao papel que enquanto camponeses pobres lhes estava reservado pelos donos da História talvez explique o desdém sobranceiro com que foram olhados durante décadas: expressões como casa de emigrante, música de emigrante, festa de emigrante… tornaram-se sinónimos de mau gosto. Eles sonhavam com as férias no “seu Portugal” mas o seu Portugal nunca teve a certeza se queria ser deles. Quando chegou a democracia não era claro que o seu direito a votar fosse reconhecido, aliás não precisasse tanto Portugal das suas poupanças – chamavam-se divisas – e provavelmente esse direito teria sido protelado porque os emigrantes ao pecado original de terem preferido ser emigrantes e não camponeses em luta mostravam, como asseverava a intelectualidade nacional, uma evidente tendência para votar mal, de forma inculta, sem consciência, invariavelmente sob influência de figuras obscuras. Por outras palavras, os emigrantes votavam maioritariamente à direita sobretudo no círculo fora da Europa, onde foi preciso esperar por 1999 para que o PS conseguisse eleger um deputado que perde nas eleições de 2002 e só recupera em 2019.

Fica portanto claro que nas eleições de 2024 nada de inédito aconteceu no predomínio da direita sobre a esquerda nos votos da emigração. O que é inédito é que dentro da direita ganhe um partido que não seja o PSD ou uma coligação por ele liderada como aconteceu com as vitórias do Chega na Suiça, Luxemburgo e Brasil e em que a AD ficou em segundo. Menos falados mas igualmente significativos são os resultados da Bélgica e França em que o PS ganhou, o Chega ficou em segundo e a AD em terceiro. Talvez tenha sido este o futuro cenarizado por Santos Silva: o PS em primeiro, o Chega em segundo e o PSD que como lembrava António Costa já não é um grande partido, em terceiro.

Não sei se Montenegro vai ou não fazer aprovar um orçamento rectificativo, anunciar o novo aeroporto ou devolver aos portugueses o estado social que a incompetência dos governos de Costa lhes roubou, mas sei que não se pode esquecer dos resultados da Bélgica e da França.

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A propósito dos cenários belga e francês, leia-se esta declaração sobre o Chega: “o próprio Chega, ao contrário do que acontece com outros partidos de extrema-direita em outros países da Europa, nunca fez uma campanha contra a UE, a explorar qualquer atitude de euroceticismo“. E mais esta “mesmo relativamente àquilo que tem sido a deriva pró-russa, de muitos dos partidos de extrema-direita, não tem sido o caso [do Chega], visto que tem apoiado todo o ‘apoio’ que a Europa tem dado”. O autor destas frases é António Costa que entendeu desta forma tranquilizar os nossos parceiros europeus acerca do terceiro partido português. O que têm estas declarações de Costa a ver com os cenários belga e francês, aqueles em que PS ganha, o Chega fica em segundo e a AD em terceiro? Mais ou menos tudo. Um dia o PS pode derrubar o muro à direita tal como derrubou à sua esquerda.

O discurso de indignação com as escolhas políticas dos emigrantes torna-se ainda mais saliente quando comparado com o silêncio ou as frases devidamente seleccionadas com pinças sobre a imigração. Quase 800 mil estrangeiros vivem em Portugal. Há dez anos eram cerca de 400 mil. São jovens: seis em cada dez têm entre 15 e 44 anos. Portugal é o 7.º país da UE a receber mais imigrantes   e é também o país da Europa com mais emigração. Em 20 anos, 15% da população emigrou.  Desde a chegada dos retornados a Portugal que não se assistia a uma alteração da população desta dimensão. Estima-se que entre Julho de 1974 e 1976 mais de meio milhão de portugueses tenha chegado a Portugal proveniente dos territórios africanos. A sua integração na sociedade portuguesa é apresentada como um sucesso. Vão os actuais imigrantes repetir o modelo de sucesso da integração dos retornados nos anos 70?

Antes que alguém responda a esta pergunta recordo duas coisas que creio determinantes para o sucesso dessa integração: os retornados espalharam-se por todo o território não constituindo comunidades; falavam português e embora muitos deles nunca tivessem vindo a Portugal tinham quando aqui chegavam uma matriz escolar, religiosa e cultural comuns.