1 Já tudo terá sido dito sobre as eleições autárquicas da semana passada. Não sendo eu comentador político, e nada sabendo sobre sondagens, não creio que possa ou deva tentar acrescentar alguma coisa ao que já foi dito.

Em contrapartida, do ponto de vista da Teoria Política — que é a minha humilde e, para muitos, algo extravagante área académica —, não hesito em acrescentar alguma coisa: em meu entender, os eleitores deram uma clara lição democrática ao clima crescentemente tribal que estávamos a viver. Nestas eleições, a principal mensagem dos eleitores foi uma vincada lição de democracia liberal: não aos tribalismos, sim ao equilíbrio e à moderação.

2 Em primeiro lugar, os eleitores claramente reafirmaram a marginalidade dos partidos extremistas como o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista e o chamado Chega (uns contra os ‘capitalistas’, outro contra os ‘ciganos’).

Em segundo lugar, e simultaneamente, os eleitores reafirmaram que a nossa democracia liberal continua a assentar sobretudo e muito saudavelmente na concorrência civilizada entre centro-direita e centro-esquerda. Tem sido felizmente assim desde o 25 de Novembro de 1975 — de Mário Soares, Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa e Aníbal Cavaco Silva.

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Em terceiro lugar, os eleitores lançaram um sério aviso aos sinais de arrogância e potencial abuso de poder do Partido Socialista. Sobretudo em Lisboa, mas também em Coimbra, Portalegre e Funchal, em parte também no Porto, os eleitores votaram no centro-direita na esperança de que este possa ser freio e contrapeso (“check and balance”, como diziam os fundadores da República Americana) aos sinais de arrogância socialista.

Talvez a actual liderança socialista devesse, em interesse próprio, meditar desapaixonadamente sobre a mensagem dos eleitores. Nessa meditação, poderiam talvez poupar-nos entretanto aos lamentáveis radicalismo serôdios contra as Forças Armadas e as empresas privadas.

3 Creio que uma muito semelhante mensagem de equilíbrio e moderação está patente nos resultados das eleições alemãs. Ao centro-esquerda, o SPD — cujo alegado eclipse tinha sido anunciado — voltou a reaparecer sob uma liderança moderada e conseguiu uma ligeira maioria sobre a igualmente moderada Democracia Cristã da já muito saudosa Angela Merkel, ao centro-direita. E os Verdes, que se confirmaram como terceiro partido, são agora um partido centrista e atlantista, suavemente convertido aquilo que no passado designavam por “democracia burguesa e capitalista”.

Em contrapartida, as tão badaladas extrema-esquerda e extrema-direita (receio não me recordar dos nomes dos partidos respectivos) tiveram resultados irrelevantes no plano nacional da Alemanha. Exactamente tal como, entre nós, tenho o prazer de recordar, o PCP, o BE e o chamado Chega.

4 Este movimento de recentramento e de repúdio dos extremos tinha começado na América e no Reino Unido.

A vitória eleitoral do presidente Biden foi uma clara resposta do eleitorado central aos patéticos tribalismos rivais do sr. Trump, na direita tribal, e do seu homólogo na esquerda tribal, o proto-comunista (recém-chegado ao Partido Democrata) Bernie Sanders. [Resta saber, apesar disso, se o Presidente Biden conseguirá resistir à sobrevivente pressão tribal da ala esquerda do seu partido].

No Reino Unido, ocorreu o desaparecimento eleitoral do chamado Brexit Party, na direita tribal, e, na esquerda tribal, do proto-comunista sr. Corbyn — que, nas cerimónias oficiais, não usava gravata e recusava cantar “God Save the Queen”. Sintomaticamente, o actual líder do honroso Partido Trabalhista, Sir Keir Starmer, acabou de declarar no recente congresso do partido, em Brighton, que é um patriota, que apoia as Forças Armadas e que respeita profundamente a Rainha.

5 Os comentadores políticos falarão na televisão sobre os inúmeros factores que estarão em causa em todos estes desenvolvimentos — e espero francamente que pelo menos alguns deles possam reconhecer a falência do tribalismo. Pela minha parte, gostaria de afirmar sem hesitação que a origem intelectual dos tribalismos agora derrotados nas urnas — em Portugal e na Alemanha, bem como na América e no Reino Unido — remonta a teorias terceiro-mundistas que, nas décadas de 1920-1930, constituíram o “ópio dos intelectuais” (para citar o saudoso Raymond Aron) no continente europeu.

Três autores terceiro-mundistas podem a este propósito ser recordados: Vladimir Lenin, na Rússia, Benito Mussolini, em Itália, e Carl Schmitt, na Alemanha (houve também um tal Adolf qualquer coisa, mas não me lembro de que tenha conseguido chegar a produzir argumentos). Basicamente,  todos eles se opunham à tranquila democracia parlamentar — que eles acusaram de máscara da opressão do chamado “povo” pela chamada “oligarquia burguesa e capitalista” e que em regra associavam ao “capitalismo parlamentar inglês”. Como alternativa, todos eles propuseram versões variadas de um comum “Estado Total”.

Vamos ser claros acerca de toda essas medíocres teorias: tratava-se simplesmente de conversa terceiro-mundista sobre guerras tribais entre tribos rivais (cada uma delas, inevitavelmente, com um ‘soba’ supremo e inquestionável). Em vez de regras gerais de boa conduta que a todos se aplicam por igual — e que em primeiro lugar limitam o poder político pela lei e pelo Parlamento, como estipulado na Magna Carta de 1215 —, eles pregaram a luta de classes de umas tribos contra as outras.

6 Gostaria de voltar a ser muito claro sobre este tema: estas teorias tribais acabam de ser derrotadas em Portugal e na Alemanha, à semelhança do que aconteceu na América e no Reino Unido. E foram derrotadas nas urnas pelas pessoas comuns — não pelas chamadas “oligarquias capitalistas”, nem, já agora, pelos “ciganos”.

7 Outra menção honrosa — além das eleições portuguesas, alemãs, americanas e britânicas — tem de ir para a pré-inauguração em Londres do mais recente filme de James Bond, “No Time to Die” (que entretanto também já chegou a Portugal, mas que eu ainda não vi). Na cerimónia esteve presente o Príncipe de Gales, bem como a Duquesa e o Duque de Cambridge. Um voto de louvor é certamente devido à elegância da Duquesa de Cambridge — que já tinha marcado a sua distinção, poucos dias antes, num jogo de ténis com a também muito elegante Emma Raducanu.

Receio, no entanto, ter de exprimir algum cepticismo sobre o inovador avermelhado “dinner-jacket” de Daniel Craig/James Bond, na cerimónia de pré-inauguração com a família real. Após demorada reflexão, concluí que se tratava de uma inovação reformista, por isso aceitável, uma vez que o “dinner jacket” estava devidamente abotoado — ao contrário do casaco sempre revolucionariamente desabotoado de um tal sr. Trump.

8 Realiza-se no próximo fim de semana, em Londres, a 36ª edição da Conferência anual da International Churchill Society. O jantar de abertura na sexta-feira, a propósito, é de “smoking” — devidamente abotoado, bem entendido.

“God Save the Queen” será certamente cantado de pé —também pelos inúmeros cidadãos da República Americana que actualmente são a maioria na International Churchill Society. E não haverá seguramente discursos terceiro-mundistas em defesa de revoluções ou contra-revoluções, anti-parlamentares ou anti-capitalistas. Churchill não gostava de revoluções: “sabemos quando começam, mas nunca sabemos quando e como acabam”. Mas gostava da democracia, “o pior regime, com excepção de todos os outros”.