1 O Debate
No passado dia 20 de Junho realizou-se debate muito interessante sobre o novo aeroporto na Universidade Católica organizado pela Associação dos Antigos Alunos e incluindo as intervenções de Ricardo Reis, José Furtado, Nogueira Leite e Borges de Assunção além do autor. Ora um dos temas focados foi o dos custos que a decisão tomada de desenvolver o Megahub em Alcochete terá para o contribuinte, sendo conveniente recordar que o Governo garantiu custo zero para o contribuinte. Será verosímil? É fácil demonstrar que não.
2A Incerteza e o Custo do Investimento Privado
Ninguém duvida que é muito elevada a incerteza associada à procura do transporte aéreo nas próximas décadas pois a população europeia está a diminuir e a envelhecer, os gostos são cada vez mais diversificados procurando as viagens ponto a ponto, as videoconferências substituem progressivamente as viagens profissionais e o transporte aéreo é o mais adverso às metas ambientais. Atendendo ao objetivo de neutralidade carbónica para 2050 do EcoDeal convém recordar que os voos da Portela lançaram 8.5 Milhões de toneladas de CO2 em 2015 e que em 2022 esse valor subiu para 11.4, segundo a OCDE. Esta incerteza não parece preocupar a CTI que realizou a sua previsão até 2086 (!) o que é record de horizonte temporal pois não se conhece paralelo a nível mundial. O estudo não esclarece porquê a meta bizarra de 2086 mas poderá ter havido oráculo menos conhecido que preveja o fim do mundo para esse ano pelo que deixaria então de ser necessário o novo aeroporto.
Assim sendo, se se admitir que o custo estimado que parece oscilar entre 6 e 12 Milhões euros for atirado para os privados, tal custo terá de ser pago não só pela venda de serviços mas também pelos prémios de risco suportados pelo Estado os quais serão ainda maiores do que nas SCUTs que tanto sobrecarregam os contribuintes pois a incerteza é agora bem superior.
A venda de serviços é condicionada pela concorrência e convém recordar que já hoje as taxas aeroportuárias de Lisboa são superiores às de Madrid em cerca de 20% pelo que tais prémios de risco serão ainda maiores devido à esperada concorrência.
Acresce ainda que os privados não têm um mealheiro repleto de euros para financiar a operação pelo que terão de usar o mercado da dívida e os juros que irão suportar ( » 6 ou 7%) serão bem superiores aos da República enquanto não se desequilibrarem de novo as nossas finanças públicas.
Eis porque já Adam Smith no século XVIII explicava que a realização pelo Estado dos investimentos de utilidade pública é a opção menos onerosa para os contribuintes.
3 A Perda de Receitas do Estado não tem Custo para os Contribuintes?
Para completar a magia dos investimentos públicos sem custos para os contribuintes convém também transferir para os privados apoios sob a forma de perdas de receitas do Estado fazendo-se crer que tal não acarreta custos para o contribuinte. Ora a perda de receita é equivalente a uma despesa!
No caso do aeroporto, já surgem duas soluções deste tipo: prescindir de receitas devidas pela Vinci ao Estado, mas como têm dimensão reduzida, surge a ideia de prorrogar a concessão da Ponte Vasco da Gama o que implicaria também a perda de receitas para o Estado para além de dificuldades jurídicas resultantes da Diretiva 2014/23/UE a qual forçou o nosso Código dos Contratos Públicos a respeitar o princípio concorrencial a partire de 2017 o que muito tem entristecido a cultura nacional.
4 A Perda de Património Público não tem Custo para os Contribuintes?
A última frente de esvaziamento de custos consistem em usar património do Estado fazendo crer que tal não acarreta custos. Ora, é bem evidente que a utilização de património valioso como o da Carreira de Tiro de Alcochete implica perder esse ativo, não usufruir desse bem e despender ainda verba vultuosa na realização de carreira alternativa.
Também ajudará neste exercício de ficção admitir que todos os custos de infraestruturas úteis a outros objetivos como será o caso de alguns acessos serão pagos apenas pelos outros!
Em suma, importante será estimar com verdade os custos para os contribuintes das novas infraestruturas de modo a poder decidir segundo prioridades baseadas no interesse público e não baseadas em fantasias pelo que aqui fica a sugestão aos organizadores do debate referido que tomem outras inciativas sobre custos e prioridades. E, sempre que possível, seguir o simples e valioso conselho do influente pensador socialista com quem tive o gosto de debater políticas públicas, Antony Giddens: “Public investment has to be geared to what a society can afford”, The Progressive Manifesto, Policy Network, 2003.