A Ordem dos Médicos é a associação pública profissional que representa todos aqueles que, nela se encontrando inscritos, exercem a profissão de médico. De entre as suas atribuições, e logo à cabeça, compete à Ordem dos Médicos regular o acesso e o exercício da profissão de médico e contribuir e defender os interesses gerais da profissão. Fazendo uso destas atribuições, a Ordem elaborou e colocou em discussão pública uma proposta de Regulamento de Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência onde se dedicou a definir a constituição das equipas de urgência médica em função da especialidade (num total de 28) e do tipo de urgência, referindo o número mínimo de médicos especialistas e o número máximo de médicos internos que devem preencher as escalas de urgência de modo a ficar garantida a qualidade e a segurança para os doentes e para a comunidade em geral.

A Ordem dos Médicos terá usado, na definição dos critérios de constituição das equipas das urgências, um princípio de máxima garantia, querendo assegurar à população, e em particular aos utentes do SNS, o melhor serviço possível, enquanto melhorava as condições de exercício da medicina.

Este propósito, apesar de nobre e necessário, esbarrou de frente com aquela que tem sido a gestão do SNS na última década, que passa não pela máxima qualidade assistencial, mas pela garantia (?) do mínimo indispensável ao funcionamento dos serviços, ou não sejam de sobra as notícias que dão conta de remendos, reparos e medidas excepcionais e de emergência.

Imediatamente soaram as campainhas de alarme, quer no Ministério da Saúde, quer nas administrações hospitalares: fosse este Regulamento aprovado – sem um enorme investimento no SNS – e seria muito difícil, para não dizer impossível, garantir a constituição das escalas de urgência de acordo com os critérios fixados, colocando em risco o funcionamento do sistema de emergência, na medida em que se tratava de mais um argumento a favor dos médicos para escusarem a sua responsabilidade ou mesmo para recusarem prestar trabalho fora das condições definidas pela sua Ordem, sujeitando-se, até, se o fizessem, ao poder disciplinar.

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Não surpreende, pois, que o Ministério da Saúde se tenha apressado a solicitar um parecer à Procuradoria-Geral da República o qual, em mais de cem densas páginas, expõe todas as razões legais que – na sua opinião – impedem que a Ordem dos Médicos possa aprovar o referido Regulamento ou que este possa ser considerado válido, produzindo os efeitos a que tende. Diz o parecer da PGR que a OM extravasa as atribuições que a lei lhe fixa.

Mesmo que a Ordem dos Médicos se tenha equivocado na forma jurídica do Regulamento, haverá alguém que duvide do seu conhecimento e competência para definir referenciais de constituição das escalas das urgências? Não há: nem mesmo a lei, que na sua actual versão já prevê que as escalas-tipo dos serviços de urgência devam respeitar, “sempre que possível”, os níveis assistenciais definidos pela OM.

O problema está mesmo em ser raramente possível cumprir esses níveis… Donde, o contributo que a OM agora deu, através dos seus colégios de especialidade, é fundamental para o funcionamento da rede de urgências do SNS em termos de qualidade.

Do mesmo modo, também deveria ser a Ordem dos Advogados a definir, por exemplo, os critérios de constituição das escalas presencias e de prevenção no âmbito do acesso ao direito, na medida em que é a entidade com maior legitimidade e capacidade técnica para o efeito.

Parece, pois, que contrariamente ao que deveria suceder, que Ministério da Saúde e Ordem dos Médicos andam, neste tema, de costas voltadas, o que não deixa de ser paradoxal, uma vez que é o próprio Estado que cria as associações profissionais.

Mais proveitoso seria que colaborassem estreitamente tendo como objectivo comum a máxima qualidade possível de todo o SNS, principalmente quando mais precisamos de a ele recorrer.

Se o Ministério da Saúde não parar com esta forma de governação absolutista, beligerante e autista, este Regulamento vai ser “chumbado”. A Ordem dos Médicos recorrera aos Tribunais.

Entretanto, o Governo diminuirá o investimento no SNS, as administrações hospitalares governarão com critérios economicistas e discricionários. A composição das equipas médicas tipo não respeitarão as boas práticas médicas. Os médicos – cada vez mais assediados, mal pagos e com piores condições de trabalho –, continuarão a legítima fuga para o privado e o povo – nós – cada vez seremos mais mal tratados pelo SNS.

Os problemas da saúde não são dos anos oitenta. O Ministério da Saúde tem de ouvir e dialogar com os médicos. Foi por tudo isto que a ministra acabou de “cair”.