Salazar, que se saiba, nunca se terá queixado de ser Portugal um país pequeno e periférico. Pelo contrário, fazia constar que, orgulhosamente só, era maior que toda a Europa Ocidental junta. De D. Carlos também não consta registo de queixume sobre a pequenez e periferia do seu reino. E poderemos ir recuando, de rei em rei, de dinastia em dinastia, até Afonso Henriques, a quem nunca terá passado pela cabeça ir conquistar um pequeno e periférico reino, ainda que naquele tempo Coimbra estivesse bem mais longe de Roma do que hoje Lisboa está de Bruxelas.

Com o 25 de abril, Portugal despertou para a democracia, mas quando esfregou os olhos descobriu que a cama onde iria passar a deitar-se era pequena. Portugal passou a ser pequeno. E pouco adiantou que personalidades como o saudoso Comandante Virgílio de Carvalho, já na década de 80 do século XX, indicassem que o Portugal pós-25 de abril seria um país arquipelágico, atlântico, cujo contexto geopolítico se definiria pelo designado Triângulo Estratégico Português que de pequeno nada tinha. E que esse contexto geopolítico iria potenciar a maritimidade de Portugal e um novo ressurgimento da nação marítima.

Aconteceu que as elites político-mediáticas, formadas por este regime, assumiram um outro propósito. Ignoraram o novo contexto geopolítico português e viraram-se para Bruxelas, como autómatos sem vontade própria. Olhar fixo, hipnotizado pelos milhões de marcos, ou de euros, que em caudal contínuo correm sem grandes sobressaltos e alguns acabam mesmo nos seus curtos bolsos.

Portugal assumiu-se como um pequeno país periférico. E gosta de o ser. Ou melhor, as elites deste regime gostam e necessitam de um Portugal pequeno e periférico. Não só periférico, mas ultraperiférico. A periferia também pode ser ultra, como nas claques de futebol. Os Açores e a Madeira, que antes eram ilhas adjacentes, passaram a ser regiões ultraperiféricas. Ser adjacente é estar junto de, mas estar junto de não vale dinheiro. Bruxelas não paga adjacências, dá dinheiro a periferias e ultraperiferias. Portugal aceitou, por isso, que os Açores e a Madeira tivessem estatuto idêntico a regiões como Aruba, Nova Caledónia ou as Terras Austrais francesas. Ficámos assim na Europa, pequenos e ultraperiféricos.

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Não teria de o ser, mas o país assume essa condição como uma inevitabilidade histórica. E porquê? Basicamente porque Portugal perdeu o seu Norte. Ou melhor, o seu Oriente, desorientou-se, vá. Não percebeu que precisa de uma centralidade que seja a sua. E a centralidade portuguesa é a centralidade de todas as nações marítimas e ribeirinhas, centralidade que sempre foi e sempre será a busca permanente de um além-mar com quem possa trocar gente e mercadoria, com quem possa trocar culturas e saberes e descobrir novas paisagens.

O desígnio de Portugal não é o mar. O desígnio de Portugal é ser uma nação marítima e a nação marítima não busca o mar, mas sim o além-mar. A nação marítima projecta-se e reconstrói-se em ultramares, sejam eles quais forem. Ninguém, em tempo algum, definiu melhor o que é uma nação marítima como Pessoa. Fê-lo em português, a língua sagrada dos poetas, na sua/nossa “Ode Marítima”.

Portugal preferiu trocar o ultramar pela ultraperiferia e perdeu-se. O resultado está à vista: um país sem rumo, uma elite largamente contaminada pelo vírus da corrupção e uma juventude a debandar porque sente não poder ganhar em Portugal o dinheiro suficiente para pagar as dívidas e os encargos sociais de um país de velhos e, ainda assim, construir família. Portugal precisa de voltar a ser uma nação marítima.

Para que Portugal possa de novo ser nação marítima, o Continente, os Açores e a Madeira terão de deixar de ser a periferia e ultraperiferia da UE e passarem a ser adjacentes entre si numa centralidade atlântica. Três vértices unidos por um mar comum na procura de novos mundos e de novas paisagens. Provavelmente, isso implicará rever o modo de estar de Portugal numa UE que se assume cada vez mais continentalista e germânica e menos amiga das nações marítimas. Provavelmente, isso implicará rever também, de alto a baixo, os fundamentos de um regime que escolheu ser pequeno e ultraperiférico.