Nos começos de Novembro, teve lugar no Centro de Congressos de Lisboa a 37.ª edição do Bazar Diplomático. O evento foi – ironicamente – feito a favor de “instituições que apoiam jovens em risco” sendo que existe uma profunda ironia nesta associação porque é possível presumir, com um elevado grau de segurança, que as instituições apoiadas não apoiam jovens no Irão, nem que estes “jovens em risco” sejam alguns dos já mais de 318 jovens iranianos, dos quais 49 crianças (dados de 8 de Novembro), que foram assassinados pelas forças do aparelho repressivo da “República Islâmica”. É igualmente irónico, e profundamente triste, que esta festa diplomática tenha acolhido no seu seio uma bancada ocupada por apoiantes da oligarquia reinante no Irão, no mesmo momento em se encontram detidos no Irão mais de 15 mil jovens, que a 6 de Novembro receberam do Parlamento Iraniano uma sentença de morte e que estas execuções já começaram.
Portugal é uma democracia consolidada, onde os direitos humanos, a liberdade de expressão e os direitos cívicos são protegidos pela Constituição da República Portuguesa. É assim inqualificável – e viola o mais profundo sentido da nossa Constituição e a consciência de qualquer democrata e ser humano respeitador dos mais básicos direitos humanos e, em particular, dos direitos das mulheres – saber que o regime dos Mullahs vai exibir uma bancada de venda de tapetes e bugigangas no Centro de Congressos da FIL enquanto, ao mesmo tempo, massacra mulheres e crianças e se prepara para realizar execuções massivas numa escala que não é vista desde os tempos do ditador Pol Pot no Cambodja. Se o regime de Pol Pot ainda estivesse no poder, a organização do “Bazar Diplomático” também o iria convidar para manter uma bancada na FIL enquanto massacrava dois milhões de pessoas? Pelo exemplo iraniano: diria que sim.
Estão assim eticamente manchadas as organizações que convidaram o regime de Teerão a manter uma bancada com “artesanato, comida iraniana e produtos típicos” e que, assim, ignoram e desprezam o sacrificado povo do Irão, ignorando (ou não) que actualmente a principal exportação do Irão são mísseis balísticos e drones que são cobardemente utilizados contra civis e instalações civis na Ucrânia e que se algo é, hoje em dia, “típico” do Irão é a repressão violenta e generalizada contra os seus próprios cidadãos.
Enquanto cidadão português, amante e defensor da Liberdade, da Democracia e dos Direitos Humanos e das Mulheres envergonha-me saber que a Associação das Famílias dos Diplomatas Portugueses (que, na sua direcção tem quatro mulheres num total de cinco membros), a Fundação AIP e o Presidente da República apoiaram a organização deste evento e recompensaram a embaixada iraniana com a visita do Presidente da República que aproveitou a ocasião para num pífio momento dizer ao embaixador a semifrase “as mulheres…” ao que este contestou “no Irão as manifestações estão autorizadas”. Marcelo Rebelo de Sousa poderia ter aproveitado a ocasião para sublinhar de forma veemente a necessidade imperativa de defender os direitos humanos, de não realizar detenções arbitrárias, nem aplicar tortura, nem de disparar de forma arbitrária sobre manifestantes ou de fazer desaparecer corpos para que as famílias não possam organizar funerais. Poderia. Mas não o fez talvez porque, assim como se esqueceu dos direitos humanos para ir ver a bola ao Qatar, também se esqueceu da Constituição da República Portuguesa e da sua defesa dos “direitos e liberdades fundamentais” quando esteve frente a frente, acompanhado por câmaras de televisão, com o embaixador do Irão.