Os mísseis que caíram na terça-feira em território polaco levantaram o espectro da guerra entre o Ocidente e a Rússia. Na Polónia, reforçaram a ideia de que o país está em guerra com a Rússia, uma guerra por proxy, mas nem por isso menos real. Na posição polaca ecoa a eterna vigilância contra os seus vizinhos, uma posição específica forjada numa história de confronto.

Mas o episódio relembra também a dimensão regional desta guerra, e o papel central da Polónia na construção de uma frente a Leste para conter a Rússia. Paradoxalmente, apesar de ter ganho em importância logística e estratégica durante a guerra, a Polónia perdeu centralidade política.

Nas últimas três décadas, frequentemente sozinha, Varsóvia alertou para o apetite de expansão da Rússia e instou o Ocidente a construir a arquitetura de segurança europeia centrada na defesa e dissuasão contra a ameaça russa. Sem esta clarividência, teríamos estado numa posição muito pior do que aquela em que nos encontrámos em Fevereiro deste ano, quando a Rússia invadiu a Ucrânia.

Desde os anos 90, mas especialmente a partir da adesão da Polónia à OTAN em 1999 e crescentemente após a adesão à União Europeia em meados dos anos 2000, a Polónia apelou para a adesão da Ucrânia à NATO e à UE. Paralelamente, a diplomacia polaca multiplicou-se em iniciativas regionais, como a Parceria Oriental da União Europeia, o sub-grupo da NATO, o Bucareste 9, e a Iniciativa dos Três Mares, com o objetivo de estruturar a cooperação dos países do flanco Leste. Com estas iniciativas, a política externa da Polónia tornou-a num líder regional. O seu papel foi tão mais relevante quanto a política de equidistância de Merkel e a tentativa de Macron de concertação estratégica com a Rússia paralisou a Europa, e deixou a Polónia como único defensor do Flanco Oriental e o parceiro dos EUA na Europa.

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A preeminência da Polónia como aliado de Washington aumentou após a invasão russa da Ucrânia Oriental e a anexação da Crimeia em 2014, mas foi a partir de 2016 – durante a administração Trump e após o Brexit – que a Polónia alcançou a “relação especial” com os Estados Unidos que tanto almejou. Em 2016, não só os EUA perderam o seu principal aliado na Europa, o Reino Unido, como o Presidente Trump defendeu o fim da OTAN e a sua substituição por parcerias bilaterais, notoriamente com a Polónia.

Contudo, se a visão da Polónia foi vindicada pela agressão russa em Fevereiro deste ano, paradoxalmente, a Polónia perdeu a sua centralidade política, que lhe advinha da exclusividade do seu papel. A partir de Fevereiro o Ocidente uniu-se, e a Rússia e a sua agressão à Ucrânia foi reconhecida por todos os membros como o principal problema da NATO. Em termos logísticos e estratégicos, a Polónia continua a ser crucial, mas politicamente perdeu a exclusividade da relação com os EUA.

De particular importância para esta transformação é a mudança da política alemã em relação à Rússia, apelidada pelo Chanceler Scholz de Zeitenwende, ou a mudança dos tempos. Logo em Março deste ano, a Alemanha iniciou uma revolução na sua política em relação à Rússia, e anunciou um investimento de 200 milhões em armamento, que se traduziu na aquisição dos caças F-25 americanos, cruciais para a credibilidade da dissuasão nuclear da NATO na Europa. O alinhamento claro da Alemanha com o Reino Unido e os EUA na transformação da arquitetura de segurança da Europa privilegia a dissuasão, e inclui a promessa da adesão da Ucrânia à União Europeia, mas não à NATO. Esta reviravolta retira protagonismo à Polónia e põe em cima da mesa a possibilidade de fortes desacordos entre os europeus quanto aos termos da paz, quando esta vier, certamente depois de prolongado conflito militar.

Sinal da rivalidade entre Varsóvia e Berlim face à liderança contra a Rússia é a ausência da Polónia da nova iniciativa Alemã para a criação do escudo antimísseis europeu, o Skripal, que reúne pelo menos 15 países membros da NATO. A ausência de Varsóvia não é auspiciosa para o necessário alinhamento europeu em relação à futura arquitetura de segurança europeia. Nas últimas décadas, a Polónia tornou-se um líder regional, um aliado dos EUA e um importante substituto de Berlim durante a era Merkel. Agora que a Alemanha está de regresso ao xadrez ocidental com uma posição de liderança, os termos mudaram, requerendo que, como qualquer Estado médio, a Polónia se adapte tentando equilíbrar a sua aliança com os EUA com a necessária relação com a Alemanha e os Britânicos.