Este ano foi pródigo em mudanças importantes, quase todas relacionadas com a invasão da Rússia à Ucrânia, a 24 de Fevereiro de 2022. Em Portugal a melhor surpresa desencadeada pela guerra foi a reação da opinião pública portuguesa ao conflito. Segundo o estudo do German Marshall Fund, o Transatlantic Trends, a opinião pública portuguesa é das que mais se opõe à invasão russa e unanimemente apoia a política externa de Biden. Revela-se também que é das que vê mais positivamente a influência global dos Estados Unidos e, a par com a Suécia, é particularmente a favor da cooperação com as democracias. Paralelamente, a grande maioria dos inquiridos em Portugal vê negativamente a influência global da Rússia (84%). Estes resultados mostram uma opinião pública unida na condenação da agressão russa, assim como um consenso alargado sobre as consequências para Portugal e para o Ocidente da necessidade de reforçar a aliança com os Estados Unidos e do pilar europeu da NATO.

A par com a opinião pública, os media portugueses, das televisões às rádios, aos jornais e às revistas, mobilizaram-se na cobertura da guerra, na explicação das suas diferentes dimensões e fases. Na sua maioria, o comentário à guerra foi, salvo algumas exceções, largamente a favor da luta do povo ucraniano e da estratégia americana e ocidental de vencer e punir a Rússia pela invasão. Esta clareza de propósito nos media e opinião pública portugueses, passados nove meses de guerra, e num dos países que sofreu economicamente com a inflação e a guerra, é tudo menos óbvio. Na Europa Ocidental, as posições populares são tendencialmente muito mais divididas, e essa divisão tende a agravar-se com o curso da guerra. A opinião pública portuguesa tem-se revelado, por isso, extraordinária.

Contudo, a clareza gerada pela guerra na sociedade portuguesa não se refletiu na política externa do governo, e podemos mesmo afirmar que esta está em diametral oposição na sua ambiguidade e falta de ambição. O governo português tem alinhado pela posição francesa de Macron, pautando-se pela hesitação em relação à Rússia, independência em relação à política externa de Biden e apoio morno à Ucrânia. Ao longo dos meses do conflito, o Primeiro Ministro António Costa declarou repetidamente que a Ucrânia não está em condições de entrar na União Europeia, um dos pilares da estratégia europeia de apoio a Zelensky. Na área militar, a nossa ajuda à defesa ucraniana tem sido paupérrima. Mais preocupante ainda, o governo português tem limitado o investimento na área da defesa, e Portugal tem ficado de fora de muitas das iniciativas da defesa europeia que se multiplicaram desde Fevereiro. Isto significa que a trajetória da política portuguesa resultará na nossa marginalização a médio e longo prazo.

No cenário mais que provável de uma guerra prolongada, esta discrepância entre a unidade da sociedade no apoio à guerra do Ocidente à invasão da Rússia, e a passividade e obstrução do governo português trai não só o seu eleitorado, como a trajetória da nossa política externa, que se tinha pautado desde o Tratado de Maastricht pelo compromisso de acompanhar as iniciativas integracionistas europeias, desde a Moeda Única ao alargamento a Leste, passando pelo aprofundamento do Mercado Único. O que está para vir não é, por isso, promissor.

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