Entre 1988 e 1989, miraculosamente sincronizado com os eventos que levaram ao fim do comunismo, o realizador polaco Krzysztof Kieślowski concebeu e realizou dez filmes curtos – o Decálogo – uma série cinematográfica rodada em Varsóvia. Cada episódio aborda os conflitos morais provocados por um dos Dez Mandamentos. A série traz a marca indelével de Kieślowski: entre o tom trágico e o humor negro, retrata o espírito de uma geração que lutou contra o comunismo, e venceu. Tal como esta geração, os protagonistas são colocados perante situações vitais que desafiam as principais fraquezas das suas personalidades.

Kieślowski acaba a série com um episódio em que dois irmãos se vêm perante o repto de completar a coleção de selos que o pai colecionou durante 30 anos. Desafiados pela mafia, pela desconfiança mútua, pela morte, os irmãos, tal como a geração que representam, superam tudo. Kieślowski põe-nos perante uma geração que se via responsável pela realização da liberdade e da democracia na Europa Central.

Volvidos mais de 30 anos desde as primeiras eleições polacas, a guerra da Ucrânia marca o coming of age da geração que fez a revolução europeia. Apesar da liderança americana, há na atitude das populações do antigo bloco soviético um velho/novo tom. A vitória do General Pavel nas eleições presidenciais na República Checa contra o populista Andrej Babis, esta semana, é exemplo disso. O General Pavel mobilizou a população de um país conhecido pelo seu pacifismo e pragmatismo, opondo-se ao neutralismo de Babis e pedindo o envio de mais armamento para a Ucrânia. A vitória de um militar (aposentado) no país do Valente Soldado Schveik marca o regresso do espírito de 1989.

Preparada pela luta contra o comunismo soviético, a elite política da Europa Central, em aliança com os EUA e a Europa Ocidental, defende o legado da sua história contra a agressão de Putin com a convicção de quem defende a herança da família. Quase um ano passado do início da guerra, podemos dizer que o fez com distinção.

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