O vídeo tornou-se viral. Um participante da Jornada Mundial da Juventude ergue uma bandeira LGBT+. O rapaz que a ergue é interpelado por dois outros jovens adultos. «Porque estás a fazer isto? Não devias fazer isto», dizem-lhe. Ele responde que está a representar o seu povo, as suas pessoas, à semelhança dos outros presentes com bandeiras, e que Deus ama a todos. Depois a troca de palavras descamba.
De facto, é permitida a exibição de símbolos LGBT+ nas Jornadas Mundiais da Juventude. E de facto, quer a igreja o deseje ou não, há católicos homossexuais. Há católicos transsexuais. Mais. Há famílias homossexuais, com filhos, e católicas. Em directa rota de colisão não só com o catecismo mas com a porta dita «escancarada da Igreja, para todos, todos, sejam eles quem forem, de onde vierem, as pessoas que forem». Estas são palavras do Papa Francisco. Não são palavras do catecismo.
Em Janeiro deste ano, o Papa Francisco, em resposta a dois jornalistas, afirmou: as leis que criminalizam a comunidade LGBT+ são uma injustiça e um pecado para além de um problema que não pode ser ignorado já que são 66 os países das Nações Unidas onde tal criminalização ocorre. «São todos filhos de Deus, Deus ama a todos como cada um é, e a todos Deus acompanha».
Para a igreja a atracção entre pessoas do mesmo sexo não é um pecado. Os actos homossexuais são um pecado, e em conformidade com o catecismo os homossexuais são «chamados à castidade» – o Papa Francisco disse, aliás, em 2018, que os pais católicos não podiam rejeitar os seus filhos homossexuais antes deviam mantê-los no amoroso ambiente da família; e à comunidade católica pediu o tratamento dos homossexuais com dignidade, «respeito, compaixão e delicadeza». Isto não obsta a que a homossexualidade seja tida no catecismo [Artigo 6; 2357] como «intrinsecamente desordenada». Mais especificamente: «Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves, a Tradição sempre declarou que os actos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados. São contrários à lei natural, fecham o acto sexual ao dom da vida, não procedem de uma verdadeira complementaridade afectiva sexual, não podem, em caso algum, ser aprovados».
Uma das finalidades do matrimónio santificado pelo sacramento é a «transmissão da vida» — o outro é o «bem dos próprios esposos». E aqui se reflete o poder criador de Deus, ao transmitir e educar a vida humana. E de igual forma a Sua paternidade.
Do lado de fora ficam os casais homossexuais. Obrigatoriamente. Um casal homossexual não está aberto à vida, ao dom da vida, quando tem ou adopta um filho? E nos filhos de homossexuais não se reflecte nem a divina criação nem a divina paternidade? Não é isto a desvalorização da vida? Não é a vida o valor maior? Há vidas que valem mais do que outras? As «periferias existenciais» constroem-se por exclusão.
O cardeal Jean-Claude Hollerich, jesuíta, arcebispo do Luxemburgo, presidente da Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia e relator geral do Sínodo dos bispos, homem de uma lucidez cortante quanto às falhas sistémicas da Igreja, como a pedofilia, ou o apagamento das mulheres, e de posições claras como em relação à indispensabilidade do celibato dos padres, o divórcio, ou ao aproveitamento político da religião, tem reflectido sobre as questões que a Europa secularizada coloca à Igreja.
Jean-Claude Hollercih acredita que a mensagem do Evangelho responde a essas questões, porém, a resposta vem em velhas roupagens o que é um desserviço à mensagem. Esta consciência de que estamos a viver um limite civilizacional exige que a linguagem parta da mensagem revolucionária do Evangelho, não da linguagem serôdia do catecismo.
Mas tudo isto veremos depois de Outubro, quando a Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos reunir, e desta vez com direito de voto para padres, homens e mulheres leigos, jovens e, por último mas não em último lugar, 50% de participação de mulheres. Com que voz a igreja proclamará o Evangelho ao mundo. De hoje.
Por enquanto, a tal porta escancarada a todos, todos, é pouco sinodal, é só para alguns, alguns.
PS: Acabo de saber que a Igreja de Nossa Senhora da Encarnação, na Ameixoeira, em Lisboa, onde o Centro Arco Íris, centro de acolhimento para a comunidade LGBT+ durante as JMJ, iria dar início à celebração da Eucaristia, foi invadido por jovens católicos ultra-conservadores. Repito: a Igreja é uma porta escancarada para todos ou para alguns?