A resposta da Europa às múltiplas crises que está a viver, guerra, crise energética e escalada da inflação, tem sido razoavelmente coordenada e eficiente. Em particular, as medidas de reforço das reservas de gás e de poupança de energia propostas pela Comissão Europeia, que à partida pareciam mais polémicas do que as sanções à Rússia por exemplo, foram geralmente bem aceites pelos Estados-Membros, depois de consideradas exceções para alguns casos específicos (como é o caso da Península Ibérica).
Por detrás desta união, sente-se alguma fragilidade nas lideranças políticas. O Presidente Francês perdeu a maioria na Assembleia Nacional, o que poderá dificultar a continuidade das reformas que foram realizadas com algum custo social e político no primeiro mandato. O Chanceler Alemão está prestes a enfrentar um difícil inverno, que poderá obrigar a cortes de produção ou a negociações difíceis com os outros partidos da coligação para diversificar as fontes de energia, em particular a nuclear. Já fora da União Europeia, as sondagens mais recentes apontam para que o Partido Conservador no Reino Unido eleja uma nova Primeira-Ministra, Liz Truss, que nos últimos meses se tem revelado a cara da oposição ao acordo de cooperação e comércio entre o Reino Unido e a União Europeia.
No entanto, o caso italiano, que tem atraído menos atenção mediática, poderá revelar-se importante para Portugal, por causa do risco de contágio.
Para além de ser um dos países potencialmente mais afetados pela crise energética, a Itália tem a dívida pública mais elevada da Europa (superior a 150% do PIB em 2021) e existem sinais preocupantes de que os investidores estão a perder confiança, em especial depois da demissão do Primeiro-Ministro Draghi e da convocação de eleições antecipadas. Com efeito, o panorama político não é muito favorável à maior sustentabilidade económica em Itália. Apesar de os partidos mais à direita, que têm uma vantagem nas sondagens para as próximas eleições, terem abandonado a sua posição eurocética inicial, também já tornaram claro que não têm intenção de retomar o plano de reformas do Governo Draghi.
No final de julho, a última emissão de dívida a 10 anos resultou numa taxa de juro de 3,46%, a taxa mais elevada desde 2014, no final da crise de dívida europeia. A diferença entre o juro da dívida pública alemã e italiana (spread) a dez anos supera atualmente os 2,2% nos mercados secundários, mais do dobro do spread médio em 2021. Para além do mais, as expectativas de curto prazo dos mercados financeiros relativamente à dívida italiana também não são muito otimistas. Segundo dados da S&P Global Market Intelligence, citados pelo Financial Times, o montante investido em instrumentos financeiros que antecipam o aumento das taxas de juro da dívida soberana italiana aumentou para perto de 40 mil milhões de dólares, o valor mais alto desde a última crise económica de 2008.
A política monetária poderá, ainda assim, limitar a pressão sobre a dívida italiana. Em julho, o BCE anunciou que iria normalizar a política monetária para enfrentar a inflação, em particular reduzindo gradualmente as compras de ativos. No entanto, para fazer face aos riscos de fragmentação dos mercados de dívida soberana, irá implementar um novo instrumento para apoiar os países mais endividados, cujos detalhes deverão ser divulgados nas próximas semanas.
Assim, o BCE é atualmente o principal escudo contra uma possível crise de dívida em Itália e o eventual contágio a outros países europeus. No curto prazo é uma opção compreensível, para preservar o normal funcionamento da política monetária. No entanto, no longo prazo, as diferenças das taxas de juro soberanas não podem ser artificialmente comprimidas, sob pena de distorcer as decisões de investimento e de desincentivar as reformas económicas que, no caso italiano, são urgentes.