Manda a tradição que seis de Janeiro seja dia de Reis.
Sábios, magos ou reis, a verdade é que nas suas figuras, e ao longo da história, quis a humanidade lembrar aquilo que de mais importante cada um deles, em diferentes etapas da vida e vindos de origens diversas, tinha para oferecer ao Deus Menino acabado de nascer, que é como quem diz, a todos nós. Vale a pena pensar por isso e também no valor de cada uma das vidas humanas, independentemente da sua idade ou condição, hoje, 2024 anos depois.
Crentes ou não, a tradição que o mundo cristão celebra nesse dia – entretanto já ajustado liturgicamente pela Igreja Católica, mas que permanece na prática popular – encerra a época de Natal. Se refletirmos sobre o seu outro nome, o da Epifânia, a conclusão de um ciclo revelador no sentido de compreender a essência e a verdade, o momento em que, depois de um longo percurso, aqueles homens viram diante de si um novo caminho transformador a seguir, e tiveram a coragem e a tenacidade de o fazer. Características que faltam hoje, nesta Europa cada vez mais perdida no seu rumo e mais distante das suas raízes.
E, no entanto, lá mais para o outro lado do continente, num país distante do nosso em tantos sentidos mas comum na antiguidade da sua existência uma Rainha sábia, Margarida da Dinamarca de seu nome, passa o testemunho ao filho, Frederico. Em total consciência, sabendo que os povos e os países se consolidam com a transversalidade geracional que valoriza o que de melhor cada idade tem para oferecer. Foi aliás esta sabedoria de alguém que vive e contribui profundamente para a vida do seu país que permitiu muito daquilo que ele é, nomeadamente em relação ao menor nível de desigualdades e aos maiores níveis de coesão e de bem estar da população. É possível, portanto.
Com esse país distante do nosso em tantos sentidos em comum pouco mais temos que a antiguidade da nossa existência: a sabedoria na arte de governar que em tempos aqui houve (e que existe em tantos outros campos) deu lugar a uma sociedade cada vez mais desigual e em que tantos perderam o verdadeiro sentido deste dia e dos seus papéis. Por desistência, negação, abandono, incredulidade, uns, irresponsabilidade e mediocridade outros. A cada um deles caberá a resposta. Ou talvez o façam, erroneamente, por caminhos que a nada levam e pelo desmoronar das instituições e, portanto, da sociedade que sustenta o indivíduo e promove o espírito de comunidade.
O ano começa, como sabemos, em Portugal com o desafio de novas eleições legislativas e com uma enorme percentagem de eleitores que ainda não decidiram o seu sentido de voto ou que não o irão fazer, com dados de 40% de possível abstenção para os mais jovens. A crença de que nada irá mudar, a descrença nas lideranças, a inexistência de programas que apresentem soluções para problemas concretos e não ponham em causa as perspectivas futuras das suas vidas faz que a dois meses de distância não saibamos ou não seja claro que estratégia é proposta para os problemas estruturais do pais. Saúde, Educação, Justiça, Coesão Social, Ambiente e Paisagem para enunciar alguns. E o mais do que fundamental debate nacional sobre a demografia, a natalidade e as migrações, ainda por fazer. Olhando para os números mas pensando nas pessoas que eles representam. Discutem-se posições em listas eleitorais quando o país espera propostas objectivas e transversais, esse país real em que quase 10% das camas hospitalares estão preenchidas por casos sociais, homens e mulheres a quem ninguém quer e a quem o sector social não consegue dar resposta porque também não apoiado pelo Estado social que devia existir e não existe. Cada vez mais esquecido e longe das vontades partidárias ou de grupos de pressão que esses sim, impõem uma dada agenda a ser aprovada, porque para eles fundamental, até 15 de janeiro. Que tecem a a teia de retalhos em que Portugal se tornou.
Que este dia de Reis, que a tradição mantém e bem no dia 6, nos traga assim de presente o relembrar da importância da liberdade consciente das nossas escolhas neste ano tão decisivo e do caminho mais ou menos difícil mas concreto que é nossa obrigação prosseguir. Sempre acompanhada com a estrela, já não a dos magos, mas a da sabedoria e dos ideais que (ainda) defendemos para o país em que ainda acreditamos.