Desde cedo que as neurociências me fascinam, talvez como um reflexo do ambiente familiar vivido e marcado por doenças neurológicas. Esta conexão moldou a minha carreira, dedicada à compreensão e ao tratamento de condições como o AVC, uma jornada que me apresentou muitas pessoas e histórias, como a do João, que teve um AVC devido a hábitos pouco saudáveis. Era fumador.

Numa manhã de junho, o João preparava-se para mais um dia de trabalho, mas tudo mudou. Sentiu uma súbita fraqueza no lado direito do corpo, acompanhada de uma dificuldade em falar. Num instante, o que parecia ser um dia comum transformou-se no mais assustador da sua vida. O piloto estava a sofrer um AVC.

As consequências imediatas foram devastadoras. Aquele homem que, ainda há poucas horas, era independente e cheio de vida, viu-se de repente incapaz de realizar as mais básicas atividades de vida diária. O choque de enfrentar tamanha vulnerabilidade, a frustração pela perda de autonomia e o medo do futuro incerto pesavam tanto quanto as limitações físicas.

Nos dias que se seguiram ao AVC, a resistência à sua nova realidade era percetível. Afastado dos cockpits, o João lutou contra a ideia de que precisava de ajuda. Contudo, à medida que o tempo passava, a aceitação de que a reabilitação não era apenas necessária, mas era a sua única esperança de recuperar algum grau de normalidade na sua vida, foi crescendo.

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Esteve internado cerca de 15 dias no hospital. Lá começou o processo de reabilitação. Após esse período foi transferido para um centro de reabilitação especializado. A sua equipa de reabilitação incluía neurologista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, terapeuta da fala e neuropsicóloga, e cada um trazia uma competência única para a sua recuperação. O fisioterapeuta focou-se na recuperação do equilíbrio e da marcha. O terapeuta ocupacional ajudou-o a readaptar-se às atividades da vida diária. A neuropsicóloga trabalhou na sua recuperação cognitiva e emocional. A terapeuta da fala dedicou-se à sua capacidade de comunicar, essencial para o regresso à sua vida social e profissional.

A caminhada foi longa e composta por várias fases. Inicialmente, os progressos pareciam lentos. Com o passar do tempo, os pequenos ganhos começaram a somar-se. Um músculo que se contraía, uma palavra pronunciada mais claramente, um passo dado com menos apoio. Cada conquista, por menor que fosse, era celebrada como uma vitória monumental, por todos.

Este percurso foi pavimentado com uma profunda integração das neurociências, nas terapias usadas por todos os profissionais. O João e a sua equipa exploraram juntos as capacidades do cérebro de se reorganizar e se adaptar após a lesão, a chamada neuroplasticidade. Foi uma abordagem personalizada, que considerou, além dos desafios físicos, os seus objetivos pessoais e o seu contexto de vida.

À medida que ele avançava na recuperação, houve momentos que se destacaram. Um deles foi quando conseguiu, pela primeira vez desde o AVC, caminhar até ao parque próximo da sua casa – um lugar onde ele costumava passear com o cão antes do episódio. Embora o trajeto fosse agora percorrido num ritmo mais lento, a sensação de autonomia foi extraordinária.

Outro marco significativo foi a primeira vez que ele conseguiu pronunciar o nome dos filhos. A dificuldade em comunicar com os outros tinha sido uma das consequências mais frustrantes, isolando-o num mundo onde as palavras pareciam escapar-lhe constantemente.

O João conseguiu recuperar significativamente a sua autonomia. Reintegrado na empresa, embora a desempenhar funções diferentes, ele encontrou novas formas de contribuir e sentir-se útil. Esta adaptação, reforçou a sua sensação de propósito. Vive hoje com a certeza de que é possível reencontrar o seu espaço e continuar a fazer a diferença, reafirmando o poder da determinação individual na reconquista de uma vida significativa.

A sua recuperação é uma história que destaca a importância de uma intervenção precoce. A motivação do João, juntamente com o suporte de uma equipa multidisciplinar que o acompanhou em cada desafio, ilustram como a abordagem certa pode mudar vidas. Profissionais sempre atualizados e dedicados a aplicar os conhecimentos mais recentes garantem que a reabilitação não só atenda às necessidades imediatas, mas que também promova a melhor recuperação possível a longo prazo.

Como neurofisioterapeuta, testemunhei muitas histórias como esta. Estas experiências reforçaram a minha crença na importância de uma reabilitação precoce bem orientada e no impacto que esta pode ter na vida de pessoas que sofreram AVC. É crucial sensibilizarmos a sociedade para a necessidade de apoiar estas pessoas, garantindo que tenham acesso a cuidados de reabilitação de qualidade e a uma rede de suporte que os acompanhe adequadamente nesta caminhada.

Hugo Santos começou a sua carreira como enfermeiro em hospitais públicos, durante quase uma década. Formou-se depois em fisioterapia, em 2005, e é professor no curso de Fisioterapia da Escola Superior de Alcoitão, desde 2008. É especializado em reabilitação neurológica e atua como neurofisioterapeuta na prática clínica.

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

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