É hoje consensual, salvo para o pc, a extrema-esquerda e uma poderosa ala esquerdista do ps, que o Estado português é enorme, que sorve o dinheiro dos contribuintes e que impede em larga medida a baixa dos impostos. Urge, por isso, transformar profundamente o Estado e viabilizar o consumo e o investimento privados com todas as consequências positivas daí decorrentes.
Quem assim pensa tem toda a razão. Qualquer jurista ou economista sérios lhe dirá isso.
Só que tal nunca acontecerá. E não acontecerá porque os partidos maioritários no nosso país vivem do Estado e para o Estado. O seu objectivo é apenas entrarem para os ministérios, controlarem os cofres e colocarem parentes e amigos nos muitos lugares disponíveis. Nada mais lhes interessa. Reformar o Estado? Nem pensar, pois se o Estado é o ganha-pão deles! O Estado garante facilidades, fidelidades, votos e assegura o exercício do poder. O preço a pagar é o aumento dos impostos e das taxas e salários muito baixos na função pública. Que importa? O português médio parece anestesiado e conformado. Os políticos prometem-lhe mais e melhores serviços públicos através do Estado e pedem-lhe em troca o voto. É assim o mercado político português; dá-me o teu voto e eu aumento a despesa pública alegando que é a teu favor. Escondem-lhe obviamente que a médio e longo prazo o prejudicado será ele, o eleitor.
O Estado, sobretudo na forma das empresas por ele controladas, oferece grandes vantagens; facilita o tradicional nepotismo, premeia os incompetentes, e ajuda a falsificar as contas públicas através da utilização dos lucros das empresas públicas e da compra por estas da dívida pública, especialidade nacional.
Se os leitores soubessem o que foi e tem sido no nosso país a dificuldade em acabar com as empresas públicas, sobretudo com as deficitárias, que vegetam à custa do contribuinte, ficavam assustados. É que acabar com uma empresa pública é acabar com uma agência de empregos e com uma rede de consolidação do poder dos afilhados partidários, e eles não gostam. O mesmo se diga da concessão a empresas privadas de serviços públicos como, por exemplo, os hospitais. A lei permite e até a estimula, mas a clientela dos partidos dominantes não quer. A presença do Estado é a garantia de que as coisas continuam como estão. A este propósito os sucessivos ministros fingem que não sabem e se necessário mentem todos os dias, de manhã, à tarde e à noite. Vejam o que diz o actual líder do PS sobre a mais que urgente privatização da TAP; nem quer ouvir falar disso e ameaça o Governo como se este para privatizar a TAP precisasse dele.
O pretexto vendido como alibi ideológico é a crença no Estado como o único intérprete do interesse geral e redentor de uma sociedade civil anárquica, corrupta, desordenada e intrujona, velha tradição jacobina. O enorme e desproporcionado Estado que temos não se poderia justificar sem uma pretensa cobertura ideológica. Interesse geral? Qual interesse geral? O único interesse que existe é o dos políticos que apenas querem manter-se no poder a todo o custo e desfrutar das vantagens que ele concede através da disponibilidade do dinheiro dos contribuintes e do consequente exercício do poder e nada mais. Para tal fim prometem tudo e estão dispostos a aliar-se com o diabo e a vender a mãe.
A espiral é esta; mais despesa pública, mais imposto, mais estado, mais despesa pública, mais imposto e mais estado e assim por diante. O único limite a esta espiral é o Banco Central Europeu e o seu controlo da massa monetária. Se não fosse ele, o nosso país era mais ingovernável do que é hoje. Já sei que vão acusar esta visão das coisas de «populista», como não podia deixar de ser, mas os tugas néscios que o fizerem, se o fizerem, estão do mesmo passo a acusar de «populismo» a prestigiada escola norte-americana da «public choice», já referenciada entre nós, e os muitos prémios Nobel da economia que a consolidam. Esta escola distingue-se por ter muito oportunamente aplicado a metodologia individualista da racionalidade económica à decisão pública.
Reformar, portanto, o Estado no nosso país? Pela mão destes partidos dominantes? Nunca acontecerá. Uma reforma só seria possível depois de uma verdadeira revolução cultural que teria de romper com tradições profundamente enraizadas na cabeça dos portugueses e que fazem deles presas fáceis daqueles partidos. O antídoto é o liberalismo, mas este não tem tradições entre nós. Já Herculano o dizia. A sociedade civil é vista como inimiga do Estado e dos partidos. Um liberal é no nosso país um extraterrestre e logo considerado como um inimigo perigoso. A pulhice intelectual da maioria dos jornalistas portugueses, arvorados a representantes de uma opinião pública que se esforçam por corromper, faz coro com esta realidade.
O inimigo do liberal é o Estado, ou seja, o crescimento exponencial das despesas públicas que acarreta. A sua amiga é a sociedade civil, ou seja, a autorregulação dos interesses privados através de todo um conjunto de instituições da mais diversa índole que ocupam o espaço social e cultural sem intermediação dos poderes públicos.
O Estado português não se reforma. Não tem tendências suicidas. Já Eça de Queiroz ironizava. A nossa anémica sociedade civil é que pode crescer. É um meio seguro. E não há outro. Mas não tenham ilusões; os partidos dominantes e o Estado em que se apoiam tudo farão para impedir uma sociedade civil autónoma, adulta e próspera. Fazê-la crescer é um trabalho para gerações.