Aproxima-se uma daquelas alturas em que o povo português se identifica mais com Nossa Senhora de Fátima, na medida em que lhe são feitas uma série de promessas que, na sua maior parte, nunca serão pagas. Para a mãe de Cristo é um bocado indiferente. A desilusão com a falta de palavra da humanidade deixou de a maçar por volta de 430, já se habituou e não lhe custa nada. Já a nós, uma promessa quebrada pode custar caro. Mas não tão caro quanto uma promessa cumprida, que pode custar caríssimo. É que a diferença entre as promessas que os crentes fazem a Maria e as que os políticos fazem ao povo é que as primeiras são pagas por quem as faz, enquanto as segundas são pagas por quem as recebe.
Convinha por isso que os eleitores portugueses dominassem as ferramentas que permitem avaliar o custo das promessas que lhes são feitas e a probabilidade de serem cumpridas. Nossa Senhora leva vantagem: à experiência acumulada em dois mil anos, junta um razoável domínio da matemática (que lhe permitiu, por exemplo, aperceber-se que para justificar a sua gravidez teria de inventar uma visita do Espírito Santo). Aos eleitores portugueses, com apenas 50 anos de eleições livres e um sistema de ensino cada vez mais complacente, faltam traquejo e conhecimentos básicos de contabilidade.
A propósito deste tema, há tempos a Iniciativa Liberal apresentou uma proposta para a promoção da literacia financeira nas escolas. Obviamente, foi chumbada pelo PS e pelo BE. O primeiro por pirraça, o segundo por convicção ideológica. O Bloco de Esquerda afirma que ensinar aos alunos como funcionam as taxas de juro, como se calcula o IRS, como se capitaliza a Segurança Social, o que é a inflação, qual a diferença entre salário bruto e líquido, e outros conceitos económicos do dia-a-dia, conduzirá a decisões financeiras ruinosas. Percebo a desconfiança do Bloco: também eu vejo as filas de doutorados em Economia à porta das tabacarias, para comprar raspadinhas, e amaldiçoo a perniciosa influência do conhecimento académico na bancarrota dos pobres.
Além do mais, estamos em Portugal: face à enxurrada de promessas eleitorais que aí vêm, não há matemática que ajude a compreender os riscos todos. Ensinar literacia financeira na véspera de eleições tem o mesmo efeito que ensinar a nadar quanto está a vir um tsunami.
É natural que o Bloco antipatize com o ensino de certas matérias. A direita também tem embirrações desse tipo. Da mesma forma que a que direita condena uma suposta ideologia de género que pretende convencer as crianças a mudar de sexo, o Bloco teme que a literacia financeira sirva para catequizar jovens, metendo-lhes na cabeça ideias perigosas como alterar o juro atribuído à nascença do empréstimo. Ensinamos um petiz a calcular a taxa de esforço e a prever que poupança poderá amealhar e, sem que dêmos por isso, passado pouco tempo está a investir num negócio que o poderá emancipar financeiramente. É óbvio que isso assusta. O Bloco quer que crianças saibam questionar o sexo, mas não o destino das verbas do PRR.
Se a IL quer mesmo que o projecto seja aprovado, vai ter de fazer algumas cedências para acomodar a forma como a literacia financeira é abordada. Talvez amaciando a consciência bloquista com referências positivas aos temas da sua predilecção. Uma hipótese seria um exercício deste tipo: “A Inês tem três maçãs. Desde hoje, identifica-se como homem. Passou a ter maçã de Adão. Em percentagem, isso representa um acréscimo de quantas maçãs? Na tua opinião, a contrafacção é positiva ou negativa para o regular funcionamento do mercado?” Fica a sugestão.
O Bloco de Esquerda não despreza apenas a literacia financeira. Também tem nojo da lítioracia financeira. O valor do lítio não o convence. Mariana Mortágua quer impedir à força a exploração do lítio em Portugal. O que é estranho, já que o Bloco tem-se batido pela transição energética e isso implica que se troquem fontes de energia à base de combustíveis fósseis por outras que, apesar de também terem impactos no ambiente, não emitam gases com efeito de estufa. Quer dizer, implica se partirmos do princípio de que o objectivo é manter o nível de consumo energético (em habitação, alimentação, transportes, produção industrial, construção, informatização e todas as actividades que acarretam grande gasto de energia, venha ela de onde vier) responsável pelo crescimento económico. Deixa de implicar se não se desejar crescimento económico e consequente melhoria das condições de vida a que está umbilicalmente ligado. Seria uma opção só entendida por quem, lá está, não tem literacia financeira.
É a opção do Bloco. O BE acha que “transição energética” é o que sucede nos seus acampamentos de Verão, quando todos fecham os olhos e dão as mãos para passar energia positiva uns aos outros. É giro, sem dúvida. Mas a transição energética é outra coisa. É a mudança de uma fonte de energia para outra. O Bloco diz que é a favor, mas parece ser contra.
“Carvão? Não, é muito sujo e faz lembrar a maldita Revolução Industrial”.
“Biomassa? Coitadinhas das árvores!”
“Gás? Para beneficiar os Estados Unidos? Está bem, está”.
“Petróleo? Não, pois desestabiliza o Médio Oriente”.
“Água? E a EDP a encher os bolsos com as barragens? Não, obrigado.”
“Nuclear? Nem pensar! Ainda temos o trauma da derrota na Guerra Fria, porque os russos não pescavam nada do assunto”.
“Vento e sol? Era bom, mas obriga a abater sobreiros, caçar javalis e a minerar lítio para as baterias”.
Parecem crianças quando não há o brinquedo que queriam na loja e nenhum outro os contenta. Não gostam de nenhuma das fontes de energia disponíveis. É a revolta da Mariana da fonte.
As promessas do Bloco são muito parecidas com as que os devotos fazem a Nossa Senhora. Nas promessas em Fátima acende-se uma vela a Maria; nas promessas do Bloco acendem-se várias velas para se conseguir ver à noite, depois de um apagão.