Leio no portal do governo que a “colocação de professores supera as expectativas”. Para contexto, essas expectativas haviam sido fixadas pela presidente do Pordata, Luísa Loura, que apontou para cerca de 100 mil alunos sem (pelo menos) um dos professores no arranque deste ano lectivo, caso não fossem implementadas medidas adicionais. Mas foram implementadas medidas. Consequentemente, o Ministro da Educação, João Costa, informou (9/9/2022) que as suas estimativas apontavam para 60 mil alunos nessas condições. E, para enquadramento e desdramatização, completou: “não houve nunca um ano lectivo em que todos os alunos estivessem com aulas no primeiro dia”. Eis, portanto, um sucesso cuja medida se traduz neste número: 60 mil alunos sem professor no início das aulas. É mau? Sim, mas também é bom, explica o governo, porque poderia ser pior.
Não serei injusto para com o Ministro da Educação. É verdade que, em Portugal, o início das aulas é tradicionalmente marcado por episódios (maiores ou menores) de alunos sem algum dos seus professores. É verdade que, actualmente, por via das muitas aposentações e da menor atractividade da profissão, agudizou-se a dificuldade no preenchimento de horários nas escolas. É verdade que o Ministério da Educação colocou recentemente em prática algumas medidas relevantes, como a renovação com professores contratados ou a revisão dos critérios de elegibilidade para se poder dar aulas, que contribuíram positivamente para que fossem menos os alunos sem professor neste momento. Ou seja, é verdade que o contexto actual é particularmente adverso e que, desde que tomou posse como ministro, João Costa tem estado activo para minimizar os estragos.
Mas o meu ponto é outro: nada disso apaga a constatação do óbvio, que está aos pulos à frente dos nossos olhos — um sistema de colocação de professores que nunca conseguiu ter todos os alunos com professor no arranque das aulas é um sistema que não funciona e que urge actualizar ou substituir. Falhar não pode ser uma rotina e as medidas postas em prática não constituem solução para o problema de base.
Portugal insiste há décadas num modelo hiper-centralizado de sistema educativo, que em demasiadas ocasiões se revela cego ao mérito, à ambição das escolas e à vontade dos professores. Por exemplo, 77% das decisões sobre as escolas ainda são tomadas a nível central, percentagem que, na OCDE, só um país pequeno como o Luxemburgo ultrapassa (dados mais recentes da OCDE sobre este indicador saíram em 2018). E, quanto à contratação e colocação dos professores, esse centralismo parece intransponível: no debate político, nunca houve uma proposta realista de reforço da autonomia das escolas e/ou das autoridades locais quanto à selecção dos seus professores — talvez por medo de acordar lutas sindicais. Ora, esta rotina do fracasso tem de ser quebrada seguindo as boas práticas internacionais, que recomendam mais autonomia para as escolas tomarem decisões. Chegou tarde, mas é um sinal positivo que o Ministro da Educação tenha expressado vontade de reformar nesse sentido.
O momento é agora. Se perdurar, este imobilismo será fatal na Educação, como já o foi na Saúde. Nos próximos anos, a escassez de professores irá agravar-se a elevada velocidade — até 2030/31, será necessário recrutar mais de 34 mil novos professores, cerca de 4 mil por ano a partir de 2028 (isto enquanto os diplomados nos cursos de Educação rondam os 1500 anuais). Não há como fugir à aritmética: a pressão para a contratação de novos professores obrigará a soluções inovadoras e incompatíveis com os modelos rígidos de carreira e contratação que ainda temos. Na Saúde, foi preciso o SNS roçar o colapso para o governo atribuir mais autonomia de decisão aos hospitais e centros de saúde. Na Educação, teremos também de passar pelo colapso da rede pública para aceitarmos a necessidade de mudar?
Enquanto a pergunta permanecer no ar, ficaremos reféns desta rotina do fracasso: a arrancar os anos lectivos com contagens de alunos sem aulas, como se tudo isso fosse uma inevitabilidade do destino. Não o é, nem tem de o ser. Haja ambição para exigir mais e melhor.