A Saúde tem sido um dos pontos importantes do debate eleitoral. E percebe-se: tem uma implicação direta e fundamental na vida das pessoas, existem dificuldades e insatisfação no SNS e visões distintas entre a área socialista e a área não socialista. Isto quando está cada vez mais longe o cumprimento da obrigação constitucional de um SNS geral e universal, caminhando-se para se tornar irreversível um Sistema Privado para quem pode e um SNS público, descapitalizado, desfalcado de profissionais e de equipamentos, para quem não pode. Se há marca na Saúde nos últimos anos de governação socialista é o crescimento dos grupos privados, da sua oferta e da sua procura, reveladores da insuficiência do SNS e desconfiança dos seus utentes.
Tendo a ADSE passado a ser facultativa, porque é que a quase totalidade dos funcionários públicos optou por continuar a descontar (bastante) para ela e até quer o seu alargamento aos familiares? Analisemos alguns pontos em debate.
A falta de Médicos de Família
Quem não tem médico de família (MF) é um excluído na Saúde. Como eu previ e expliquei aqui, o número de utentes sem médico já ultrapassou o milhão, em profunda contradição com a promessa de António Costa há seis anos e repetida há dois de “dar um médico de família a todos os portugueses”.
Como solução António Costa apenas fala em generalizar o Modelo USF (Unidade de Saúde Familiar), donde apenas o Modelo “A”, onde os vencimentos não se alteram e não existem quaisquer inventivos. António Costa travou o acesso ao Modelo B onde existem incentivos e as remunerações duplicam e deixou desmoronar a Reforma de 2006 de Correia de Campos. E é a perceção disto que está a levar mais de 30% dos novos especialistas a ficarem de fora nos sucessivos concursos e a optarem por soluções no sistema privado. Assim António Costa apenas promete mais do mesmo. Não tem qualquer ambição ou solução. É o deixa andar. Situação especialmente grave atendendo ao grande número de médicos de família que se vão reformar nestes dois anos.
Rui Rio, pelo contrário, tem no seu Programa a generalização de USFs B (onde os vencimentos duplicam para atender uma mesma lista de utentes) e a abertura ao Modelo C. A generalização do Modelo B é a única forma de os médicos de família se fixarem e não abandonarem o SNS. Assim como as USFs de Modelo C previstas na Reforma de Correia de Campos, mas que nunca chegaram a ser implementadas. É um Modelo em que USFs, iguais às outras, são dos profissionais e convencionadas/contratualizadas com o Estado. Têm a vantagem de o Estado não ter que investir em instalações e equipamentos e uma maior motivação dos profissionais, não sujeitos às regras da burocracia do modelo público. Pode ainda aproveitar os médicos de família reformados e os que estão fora do SNS.
Mas em contrapartida deve-se exigir ao Modelo B e ao Modelo C consultas programadas num prazo de até 5 dias úteis. E situações agudas no próprio dia. Penso que este seria um grande trunfo. E perfeitamente justificado.
Acresce que em vez de dar uma solução sem continuidade, o recorrer esporadicamente a um privado “Médico Assistente” – termo que gerou a revolta de todos os médicos de família no início do mandato do Dr. Luís Filipe Pereira – porque não dar aos médicos de família privados os instrumentos indispensáveis à sua atividade: a possibilidade de passarem Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDTs) pelo SNS, passarem Baixas e referenciarem para os hospitais do SNS quando caso disso?
Com isto muitas pessoas que têm médico de família privado por opção poderão desistir de ter médico de família no SNS, ao qual só recorrem quando precisam da requisição de exames ou de baixas; abrindo assim vagas para quem realmente precisa. Esta é a única maneira de no curto prazo se reduzir o número de utentes sem médico de família.
Esta medida, dirigida primeiramente para os médicos de Família, de forma a permitir a sua estruturação, poderá depois ser alargada às outras especialidades (não esquecer o papel de “gate keeper” racionalizador do MF). Nos anos 90 pedi ao ministro da Saúde Paulo Mendo que possibilitasse aos médicos privados passarem receitas de medicamentos comparticipados pelo SNS. Disse-me que não, que saía muito caro. Um ano depois publicou essa medida. Hoje é prática corrente e interrogamo-nos como poderia ser de outro modo.
Guardo uma carta de Durão Barroso, quando era Presidente do PSD, a prometer esta medida de alargamento ao sector privado a requisição de MCDTs comparticipados pelo SNS.
Do lado do atual PS de António Costa já sabemos que o seu condicionamento ideológico não permite qualquer abertura para qualquer uma das soluções acima, e por isso o número de médicos de família a sair do SNS, ou a ficar de fora nos concursos, vai aumentar, tendo como resultado, contra todas as suas piedosas e arrogantes promessas, o aumento do número de utentes sem médico de família.
Do lado do PSD temos no seu programa a generalização do modelo B e a abertura ao Modelo C. Medidas que merecem todo o aplauso. E acredito que o PSD terá todo o pragmatismo para, sem custas para o Estado, permitir a livre opção por um médico de família privado (ou USF privada) dotando estes dos instrumentos indispensáveis acima referidos. Solução preferível ao recurso pontual a um indefinido “médico assistente” que nem sequer dispõe da capacidade de requisitar MCDTs pelo SNS, fundamentais ao diagnóstico.
Análises e MCDTs nos Centros de Saúde
António Costa quer acabar com o sector convencionado da Saúde. Quer que os portugueses façam as análises,ecografias, radiografias, TACs, exames cardiológicos e demais exames de diagnóstico complementares no SNS Público.
Os portugueses precisam de saber que quando votarem no PS estão a votar no fim do acesso aos Meios Complementares de Diagnóstico convencionados, que é aquilo que melhor funciona na saúde e com que estão mais satisfeitos.
Está na lei de bases aprovadas à esquerda, de que Costa se orgulha, e que o PSD quer rever:
«Base 6. Responsabilidade do Estado
1 – A responsabilidade do Estado pela realização do direito à proteção da saúde efetiva-se primeiramente através do SNS e de outros serviços públicos, podendo, de forma supletiva e temporária, ser celebrados acordos com entidades privadas e do setor social, bem como com profissionais em regime de trabalho independente, em caso de necessidade fundamentada.»
Está na moção de António Costa ao Congresso do PS, está nos seus discursos, está de forma muito clara no PRR:
«(ii) alargar a carteira de serviços e as áreas de intervenção, aumentando a capacidade resolutiva das situações agudas e crónicas, respondendo às necessidades não satisfeitas no SNS (como é o caso da saúde oral ou da reabilitação) ou internalizando meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT) realizados no setor convencionado (custaram 507 M€ em 2019, +18,2% que em 2015), com destaque para as análises clínicas (186 M€), radiologia (114 M€), medicina física e reabilitação (110 M€) e gastroenterologia (55 M€);»
E foi mais uma vez evocado no debate com Rui Rio. É um disparate completo. Costa desconhece em absoluto aquilo de que está a falar.
Por motivos ideológicos, bem expressos na lei de bases da Saúde, a qual Costa fez aprovar à esquerda apenas com o BE e o PCP, e deitando fora uma primeira versão moderada, pedida pelo então seu ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes à ex-ministra da Saúde socialista Maria de Belém, quer tirar aos portugueses aquilo que melhor funciona na saúde: quer acabar com o sector convencionado. Quer impedir que as pessoas façam análises no próprio dia, sem marcação prévia, e com resultados por mail em menos de 24 horas, sem pagarem nada e por uma tabela paga pelo estado com valores muito baixos. Mais baixos que o custo dos mesmos exames no SNS. Não só eu o expliquei aqui como também, com fina ironia, o explicou um outro ex- ministro da Saúde do PS , Correia de Campos.
Lares
Tema não abordado. Devem ser considerados com estruturas de saúde, sendo por isso obrigatório ter um médico/diretor clínico. Financiado pelo SNS. Os internados nos lares são os portugueses mais desprotegidos e não têm como ir ao Centro de Saúde, embora aí ocupem uma vaga (que assim pode ficar livre). Estes médicos devem dispor dos instrumentos acima referidos.
Muito do que aconteceu nos lares durante a pandemia, poderia ter sido evitado…
Parcerias Público Privadas na Saúde
As parcerias público privadas foram uma ideia de um ministro da Saúde do PSD, Luís Filipe Pereira, e vieram a ser implementadas por um Governo PS.
Foram uma forma de o SNS ter hospitais novos com administração profissional. Foram uma aposta ganha. Vários estudos, entre os quais do Tribunal de Contas, demonstram que tiveram mais qualidade, mais satisfação dos utentes e menores custos que os comparadores públicos.
O PS, por cega ideologia socialista de António Costa, contra a ala social democrata do PS, acabou com elas (incrivelmente só em meio de Dezembro nomeou a Administração para a “nova vida” do Beatriz Ângelo. Um mês para fazer uma transição extremamente complexa…)
O PSD também não revela grande entusiasmo por esta solução que encara de forma limitada e sobretudo para dispor de comparadores.
O SNS na pandemia
O suposto bom comportamento do SNS durante a pandemia, com que António Costa fugiu ao debate, foi a tirada mais demagógica de todos os debates.
Ele melhor que ninguém sabe que, tirando a frente covid que envolveu três ou quatro especialidades, todo restante SNS esteve praticamente um ano a funcionar por telefone, com a agravante de as unidades de saúde não terem linhas telefónicas que suportassem este aumento.
Porque é que foram os laboratórios privados, com que ele quer acabar, que muito rapidamente avançaram para a testagem maciça da população e não os hospitais do SNS? Porquê agora os testes das farmácias ou das autarquias e não nos centros de saúde?
A vacinação foi um sucesso porque vacinar é algo que está nos genes da saúde pública desde o tempo de Salazar. Fazer coisas diferentes é que é complicado…
O Financiamento da Saúde
Nenhum dos partidos tem qualquer proposta para rever a forma de financiar a saúde e libertá-la do espartilho do Orçamento de Estado. Ora a dotação orçamental nunca poderá acompanhar o crescimento da despesa da saúde devido ao aumento do número de idosos, das novas tecnologias e inovações terapêuticas. Também nenhum partido tem propostas consistentes para passar de um modelo de administração pública para um modelo de gestão.
E sem encontrar solução para o financiamento da saúde, a falta de liquidez do SNS paralisará todas as boas intenções expressas nos vários programas. Quem for governo chocará com esta realidade e tê-la-á que pôr em discussão na próxima legislatura.
A solução nunca deverá passar por pagamentos diferenciados aquando do acesso a prestações de Saúde, quer por introduzir um fator de insegurança nas famílias quer porque depende de uma alteração constitucional para a qual são precisos de 2/3 dos deputados. Mas pode ser encontrada num sistema de contribuições a montante (ajustadas às condições socioeconómicas das famílias) para um fundo público financiador do SNS (num modelo de seguro social de saúde sem exclusões ou penalizações ), o qual é constitucional pois cumpre os princípios constitucionais de acesso gratuito às prestações de saúde e a socialização justa dos custos. Mais, será a única forma de garantir o principio constitucional primeiro :
«a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;»
Em resumo
O PS não tem soluções para a falta de Médicos de Família, o PSD tem.
O PS quer acabar com o sector convencionado de Meios Complementares de Diagnóstico – Análises, Rx, etc.
Os portugueses precisam de saber que quando votarem no PS estão a votar no fim do acesso aos Meios Complementares de Diagnóstico convencionados, que é aquilo que melhor funciona na saúde e com que estão mais satisfeitos.
Ninguém apresenta soluções para o Financiamento da Saúde.