O fim da pandemia permitiu que pudéssemos, finalmente, regressar a outros temas relevantes e decisivos em saúde. Neste artigo pretendo destacar três noticias vindas a público recentemente e que podem emprestar alguma luz acerca dos problemas que esta área enfrenta, a saber: reestruturação do Sistema Nacional de Avaliação em Saúde (SINAS), aumento da taxa de mortalidade infantil e ausência de registo rigoroso do número de enfartes. Vamos por partes.

Reestruturação do Sistema Nacional de Avaliação em Saúde

A base de uma gestão de qualidade é a avaliação continua do serviço que se presta ou daquilo que se produz. É imprescindível que quem toma decisões o faça na posse da melhor informação disponível e para isso é fundamental que a sua recolha seja exaustiva e credível. Em saúde, apesar das especificidades, não é diferente.

O Sistema Nacional de Avaliação em Saúde começou a ser implementado em 2009, e, de acordo com nota recente da Entidade Reguladora da Saúde, destinava-se “apenas a ser aplicado a algumas tipologias de estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde (hospitalares e de saúde oral) do sector público, privado, cooperativo e social e, nesses, só foi aplicado a algumas dimensões específicas e sempre numa lógica de adesão voluntária”. A ERS sentiu necessidade de dar estas explicações após ser confrontada por notícias que anunciavam o fim do sistema de avaliação hospitalar. De acordo com a ERS está em curso um projecto-piloto que pretende “proceder à avaliação dos prestadores quanto à sua qualidade global”. À primeira vista estas alterações parecem fazer sentido, quanto mais prestadores e respectivas áreas de actuação forem avaliados em regime obrigatório melhor.

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É fundamental que este projecto-piloto apresente resultados rapidamente, seria incompreensível ficarmos meses ou anos sem qualquer avaliação dos serviços prestados nos hospitais, sejam eles públicos ou privados.

Aumento da taxa de mortalidade infantil

Portugal tem realizado um esforço notável nos últimos 50 anos no que diz respeito à diminuição da taxa de mortalidade infantil. Hoje o nosso país compara bem com os nossos parceiros europeus, estando esta taxa abaixo da média europeia. No ano 2000 a taxa de mortalidade infantil foi de 5,5 ‰ e no de 2022 de 2,6 ‰, sendo que o valor de 5,5‰ foi mesmo o valor mais elevado desde 2000 a 2023. Apesar destes excelentes indicadores a taxa de mortalidade subiu de 2021 para 2022, de 2,4 ‰ para 2,6% respectivamente.

Sendo verdade que variações de valores nesta ordem de grandeza são expectáveis, também é verdade que o clima que se vive nas maternidades e serviços de pediatria, com falta de profissionais e encerramento de serviços, levanta questões acerca da qualidade dos serviços prestados que têm de ser cabalmente esclarecidos. É fundamental estudar estes números e perceber as suas causas.

Ausência de um registo rigoroso do número de enfartes

É impossível estabelecer uma boa política de saúde pública sem ter em linha de conta os números absolutos de cada patologia, a sua variação anual e como comparam entre si os grupos de diferentes patologias. Sabemos que as doenças cardiovasculares são aquelas que mais matam em Portugal, por essa razão seria fundamental conhecer quantos enfartes agudos do miocárdio ocorrem anualmente no país. Ficámos recentemente a saber que Portugal não regista os enfartes agudos do miocárdio de forma obrigatória e sistemática. Este registo faz-se no Registo Nacional de Acidentes Coronários Agudos de forma voluntária pelos hospitais, e, segundo o presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, “nem metade dos enfartes que acontecem são registados”.

Recentemente um grupo de mais de 80 profissionais escreveu uma carta aberta ao governo e ao parlamento que passou quase despercebida, mas que é importantíssima, onde levantam questões relevantes, como o aumento de 73% de doentes com enfarte agudo do miocárdio transportados pelo INEM para os hospitais em 2022. Também o tempo que medeia entre o início dos sintomas e a activação do INEM aumentou, o que reduz drasticamente a hipótese do sucesso de qualquer tratamento.

É fundamental perceber a razão para este aumento. O facto de milhares de consultas nos cuidados de saúde primários e hospitalares terem sido desmarcadas, levando a um pior seguimento dos doentes, contribuiu para estes números?

O que fica depois da pandemia são serviços de saúde mais fragilizados, profissionais exaustos e doentes mais desprotegidos.O governo tem muitas explicações a dar e a oposição (que não respondeu a esta carta aberta que lhes foi endereçada pelos profissionais de saúde através dos grupos parlamentares) tem muito trabalho a fazer.