França e Espanha acordaram substituir o projectado gasoduto dos Pirenéus, que faria a conexão do gás entre esses dois países, por uma ligação marítima entre Barcelona e Marselha. Portugal participou como convidado neste acordo, na verdade um acordo bilateral. O PSD pela voz do eurodeputado Paulo Rangel classificou este como “um mau acordo para Portugal”, como se Portugal pudesse fazer alguma coisa para evitar o que foi acordado. Digamos melhor: se Portugal não tivesse sequer participado, o acordo não se faria? A pergunta é tão retórica que dispensa resposta e se Paulo Rangel não tivesse falado, teria feito melhor figura.
No mesmo momento celebrava-se o Dia Internacional para a Erradicação do Pobreza e mais uma vez, como nos últimos cento e cinquenta anos (antes disso nem era assunto, mas uma fatalidade natural) se volta a constatar que metade da população nacional vive abaixo do limiar da pobreza. Se é, foi ou será metade, mais ou menos do que isso, o facto é que esta constatação já era feita nos tempos da monarquia constitucional depois de 1851, na Républica desde 1910, em todo Estado Novo desde 1933, a partir do 25 de Abril de 1974, – em 1980 voltaram as “bandeiras negras da fome” – e atenuado por um ligeiro interregno entre a adesão à Comunidade Europeia até à integração no euro, o assunto voltou em força desde pelo menos 2002. Foi o momento do discurso do “estamos de tanga”, seguido da bancarrota do Estado e das medidas de austeridade do período em que fomos um protectorado das instituições financeiras internacionais. Após isso, até se derrubou o designado “muro de Berlim” do nosso parlamento, com o acordo de incidência parlamentar à esquerda, que viabilizou um governo do partido que havia perdido as eleições de 2015.
Já experimentámos de tudo em 150 anos. Tivemos Fontes Pereira de Melo, Rodrigo da Fonseca e Costa Cabral; Afonso Costa e Sidónio Pais; Salazar; Vasco Gonçalves, Mário Soares, Cavaco Silva, Passos Coelho e António Costa. Tivemos monarquia e república, ditadura e democracia; presidencialismo e parlamentarismo, governos de esquerda e governos de direita. Portanto já experimentámos o menu completo. Mas o sentimento de irrelevância do país, conjugado com a persistência da pobreza, é realmente um quadro capaz de deprimir o mais irritante optimista.
Quanto à irrelevância do país, é algo que não merece qualquer sentimento negativo. É simplesmente decorrente da sua dimensão e isso não é uma variável em que possamos mexer. Num eventual acordo energético entre a Alemanha e a França, mesmo que convidados, a Holanda e a Dinamarca, iriam também comparecer só para assistir, tal como Portugal o esteve no acordo entre a França e a Espanha. O tamanho conta e então nas relações internacionais é o primeiro dos mandamentos. A diferença entre os convidados não é a sua influência que é sempre limitada. O que difere, é que a Dinamarca e a Holanda, apesar de pequenos são ricos e Portugal continua a ser um país pobre, cinquenta anos de democracia e trinta anos de pertença à União Europeia, depois.
Também nada indica que se Portugal não fosse um país independente, mas uma região autónoma de Espanha as coisas melhorassem. A região espanhola que tem mais similitude com Portugal é a Andaluzia. Tem praticamente a mesma dimensão territorial, a mesma população e vive – tal como Portugal – de subsídios da União Europeia, não conseguindo alcatroar uma simples estrada sem 85% de financiamento do FEDER.
Apesar destas similitudes, mesmo beneficiando das transferências do orçamento central espanhol, em 2019 o PIB per capita Andaluz era de 19.000 Euros e o de Portugal era 23 000 Euros. Portanto, por aí, também não.
Já muito se escreveu sobre as causas do nosso atraso estrutural. Não nos move qualquer pretensão, que não seja a de recordar alguns factos assentes sobre as nossas entropias colectivas: Um sistema educativo corporativo, que não premeia a competência e o mérito; a persistência de muita iliteracia; a proliferação das microempresas e a dificuldade de associação entre elas para criar valor e competitividade internacional; os baixos salários e a desigualdade salarial; a tolerância pública à corrupção e compadrio, a especulação imobiliária que conduz à falta de habitação; a politica pública virada para as soluções fáceis e precárias como o turismo de massas etc. etc.
Apesar de tudo isto, houve momentos em que conseguimos fazer colectivamente aquilo que nos propusemos. Reinstalámos 500.000 retornados das colónias na sociedade portuguesa, num momento em que a ajuda internacional se limitou a uns quantos aviões de transporte. Pedimos a adesão à então CEE e cumprimos os critérios para sermos admitidos. A Câmara de Lisboa propôs-se erradicar as barracas e conseguiu. Mexemo-nos internacionalmente para conseguir a independência de Timor e tivemos êxito. Instalámos um modelo de vacinação que conseguiu abranger toda a população que assim o quis, durante a pandemia da COVID. Portanto, não são só fracassos, os êxitos é que são poucos, como estes exemplos o demonstram.
O que surpreende é que estando estas causas tão diagnosticados e sendo quase consensuais na população portuguesa, nunca tenha havido vontade política e mesmo vontade popular, de trilhar um caminho novo, sendo certo que todos os programas eleitorais dos partidos que maioritariamente fomos elegendo, até se propõem resolver tudo isto, mas da implantação real das medidas, nem há rasto, nem resultados. Só resta obrigar o poder politico eleito a cumprir as promessas e nisso, convenhamos, os portugueses são muito moles, à falta de melhor expressão.
Continuamos a produzir excelentes diagnósticos da realidade do país, repetindo ao longo de décadas e décadas as soluções que nunca são implementadas. Sendo a lamúria a mesma, torna tudo isto numa catarse ou numa ladainha. Se assim é, então mais vale assumir que não somos capazes de fazer um país melhor, sobra a paciência e encerra-se o assunto.