Face às notórias dificuldades para conseguir espaço mediático, Francisco Rodrigues dos Santos aproveitou sagazmente a quadra natalícia para dar alguma visibilidade ao CDS com o divertido vídeo “Ceia de Natal da Direita”, que fez algum furor nas redes sociais, complementado depois com um segundo vídeo alusivo à “Ceia de Ano Novo do CDS”. Num contexto muito difícil para o CDS, os vídeos tiveram o mérito de atrair alguma atenção para o partido (este artigo é também ele próprio evidência, ainda que em pequena escala, disso mesmo). Mas os próprios vídeos, cujo visionamento recomendo, ilustram também os principais dilemas e dificuldades que se colocam actualmente ao partido.
Uma primeira dificuldade resulta do erro de Francisco Rodrigues do Santos não ter submetido a sua liderança a um processo de relegitimação interna antes das legislativas (ao contrário do que fez Rui Rio no PSD). Evitar uma clarificação interna antes das legislativas reforçou a imagem de Rodrigues dos Santos como um um líder de facção, mais preocupado em excluir quem pensa de forma diferente do que em alargar a base de apoio do CDS.
Na “Ceia de Natal da Direita”, as referências em torno de uma mesa vazia à “prima modernaça, ateia, que é uma profissional liberal de sucesso” (simbolizando a Iniciativa Liberal) e ao “primo sem maneiras” com “umas ideias um bocado tontinhas” (simbolizando o Chega) arriscam-se a reforçar essa percepção de exclusão. Como sintetizou o ex-militante do CDS Adolfo Mesquita Nunes: “aquela família para quem ninguém tem dignidade suficiente, para quem nunca ninguém é suficientemente cristão para se sentar com eles à mesa, acaba a passar o natal sozinha”.
A este respeito, talvez deva também merecer reflexão o facto de o vídeo ter sido bastante melhor recebido à esquerda do que à direita. Por exemplo, o deputado socialista André Pinotes Batista regiu assim : “Opinião profissional, sim eu tenho uma. O vídeo da “solidão natalícia do Chicão” é conceptualmente soberbo. Com uma mensagem simples e objetiva, bem filmado, com um guião bem redigido e magistralmente ritmado. Tem um erro? Sim, de casting, mas essa é outra questão.” Talvez por as descrições feitas de IL e Chega encaixarem nos estereótipos que a esquerda construiu sobre os novos partidos à direita, Francisco Rodrigues do Santos avança assim para eleições legislativas na curiosa posição de ser a direita de que a esquerda explicitamente gosta.
Por sua vez, o vídeo da “Ceia de Ano Novo do CDS” centra-se na nova alternativa construída e apresentada ao eleitorado por Francisco Rodrigues do Santos. É justo realçar que o líder do CDS conseguiu reunir em torno de si figuras estimáveis e que pontificam como protagonistas nesta nova fase da vida do partido, com destaque para José Ribeiro e Castro e Margarida Bentes Penedo, respectivamente números dois e três por Lisboa (a lista apresentada em Lisboa é aliás inequivocamente a mais forte com o muito promissor líder da Juventude Popular, Francisco Camacho, na quarta posição). Mas na apresentação dessa alternativa fica também evidente a exiguidade do espaço que sobra ao CDS face ao surgimento e afirmação crescente de Iniciativa Liberal e Chega.
O caminho estreito que resta ao CDS passará por se distinguir do progressismo da IL em causas sociais ao mesmo tempo que tenta minimizar as perdas de eleitorado mais à direita para o Chega. O actual posicionamento centrista do PSD poderá também dar alguma margem de recolha de voto tradicionalmente laranja descontente com Rui Rio, mas essa margem deverá ser limitada num contexto em que o apelo ao voto útil à direita será crescente.
Na entrevista de ontem ao Observador, Francisco Rodrigues do Santos não quis, compreensivelmente, discutir cenários mas é inevitável que eles se coloquem. Apesar da estratégia de coligações nas autárquicas, a marca CDS continua (ainda) a ser das mais reconhecidas na política portuguesa. Esse é um activo eleitoral importante, em especial junto dos segmentos mais idosos (que são também tipicamente quem mais vota), e por isso será prudente olhar para os baixos valores do CDS nas sondagens como prováveis patamares mínimos.
O principal padrão de comparação e avaliação deverão ser os 4,2% e cinco mandatos obtidos pelo CDS nas legislativas de 2019. Manter o CDS como segundo partido à direita do PS (a seguir ao PSD) e crescer em votação e grupo parlamentar seria um excelente resultado para Francisco Rodrigues do Santos, mas parece para já pouco provável que tal aconteça. Face ao crescimento de IL e Chega e às convulsões internas pelas quais o CDS passou, já poderá ser considerado um bom resultado manter os actuais cinco deputados preservando uma votação semelhante à (historicamente baixa) conseguida em 2019 por Assunção Cristas. Um terceiro cenário, menos favorável, seria reduzir votação e número de deputados, mas preservando ainda assim um (muito pequeno) grupo parlamentar. Um quarto cenário, que Francisco Rodrigues do Santos recusa sequer equacionar mas não é inversosímil face aos dados disponíveis, será o de eleger apenas o líder do partido, reduzindo o CDS à exiguidade de ter apenas um deputado.
Mesmo confirmando-se os valores em torno de 2% apontados por várias sondagens, a eleição de pelo menos um deputado por Lisboa deverá estar garantida. Considerando adicionalmente que Francisco Rodrigues do Santos costuma ser bom em acções de campanha no terreno e que há em Lisboa alguma dinâmica própria resultante das autárquicas, a chave para um bom (ou menos mau) resultado do CDS no próximo dia 30 passará muito provavelmente pelo círculo de Lisboa, com a fronteira a estar na eleição (ou não) da número três Margarida Bentes Penedo.
Os resultados de dia 30 e o cenário que se venha a verificar moldarão a discussão a partir do dia 31 sobre se a existência do CDS enquanto partido autónomo continua ou não a fazer sentido.