Numa época de más notícias é importante falar nalgumas boas. Esta semana, mais uma instituição europeia, neste caso o parlamento europeu, alterou e aprovou uma proposta de diretiva da comissão europeia (de 14/07/21) de criação de um mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço (MACF). Este mecanismo permitirá introduzir direitos aduaneiros da União sobre importações de países de fora da União que não tenham tributação de carbono ou um mercado de licenças de emissões de carbono, ou ambas, que resultem num preço do carbono semelhante.

A razão de ser e a consequência da implementação do MACF, que será um processo gradual, é simples de entender. Sem ele, o acréscimo de tributação do carbono que está a ocorrer na União Europeia (quer pelo aumento do preço do carbono quer pela extensão a mais sectores de atividade económica) traduzir-se-ia em perca de competitividade das empresas europeias num primeiro momento e deslocalização para países terceiros num segundo momento sem que daqui adviesse alguma redução das emissões (o chamado efeito “fuga de carbono”). A economia da União Europeia (UE), que ainda ocupa a terceira posição mundial, a seguir à China e aos EUA, tem vindo a perder peso no contexto mundial. Porém, a China lidera sobretudo nas emissões de gases com efeito de estufa (GEE dos quais o CO2 é uma importante componente) por unidade de PIB, ou seja, contribui proporcionalmente mais para o aquecimento global do que o seu peso no PIB mundial.

O MACF, não pode ser dissociado do regime de  comércio de licenças de emissão (RCLE-UE), outra iniciativa pioneira da UE à escala mundial, que tem sido replicada em mercados em outras regiões do mundo, nomeadamente nalguns poucos estados do EUA (e.g. Califórnia), na Nova Zelândia e na China que está a dar os primeiros passos agora a nível nacional depois de projetos piloto nalgumas regiões. Apesar de algumas objeções éticas a considerar o carbono uma mercadoria (ver artigo de Michael Sandel no NYT), é considerado das formas mais eficientes de reduzir os GEE. Trata-se de um regime de tradeand-cap em que se estabelece um limite total de emissões (que deve ir decrescendo de ano para ano) e se cria um mercado para transacionar essas licenças de emissão entre empresas.

No início, e como forma de transição e adaptação, havia um largo número de empresas, altamente intensivas em uso de energia e em emissões, que tinham essas licenças gratuitas, e outras que as tinham que adquirir em leilões ou no mercado secundário.  A combinação de excessivas licenças atribuídas, e de um limite global elevado resultou num preço do carbono irrisório. Apenas a partir de 2018 o preço do carbono tem vindo sustentadamente a aumentar, estando agora na Europa perto dos 83€ por tonelada equivalente de CO2, que compara com  35$ na Califórnia  e zero em todos os estados dos EUA, bem como em grande parte dos países do mundo, que não têm mercado de emissões ou tributação do carbono.  São precisamente estes diferenciais de preço do carbono emitido — uma externalidade negativa que, sem intervenção pública não tem preço – que se pretende anular com o MACF. Para além de que as receitas dos leilões das licenças de emissão são receitas dos Estados membros (em Portugal consignadas ao Fundo Ambiental), enquanto que as receitas aduaneiras associadas ao MACF são receitas da União Europeia em moldes ainda a definir pelo Conselho Europeu.

Apesar do significativo avanço, importa reconhecer alguns obstáculos que estão pela frente, dos quais destaco três. Vai ser preciso contornar eventuais objeções que a Organização Mundial do Comércio possa levantar ao MACF, que pode ser criticado, injustamente, de proteccionismo. Existe uma elevada volatilidade do preço do carbono (base para determinar a receita aduaneira em cada caso de país e indústria) e não vai ser fácil determinar o que são países com um preço de carbono semelhante. Finalmente, eerá necessário dar atenção a países em vias de desenvolvimento que são, em termos globais muito menos   emissores de gases com efeitos de estufa do que os países desenvolvidos, e que caso tenham já algumas indústrias poluentes terão de suportar um custo adicional das suas exportações para a União Europeia.

Deve ser motivo de orgulho podermos reconhecer que as instituições europeias estão a desempenhar o seu papel de liderança na descarbonização das economias europeias e de países terceiros. Há, porém, ainda muito caminho a percorrer.

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