Não se muda de vida num ano. Há quem não consiga mesmo mudar de vida. Os hábitos que criamos tendem a impor-se no nosso quotidiano. Não apenas as atividades rotineiras, os próprios quadros mentais em que nos movemos. A viragem de calendário para  1 de Janeiro, de um novo ano, é muitas vezes acompanhada de nobres intenções de coisas que queremos mudar, iniciar, renovar. Essa esperança na mudança muitas vezes morre na praia, ou por fatores que nos são alheios, ou pela nossa fraqueza de vontade em relação ao que nos propomos. Porém, é inevitável, temos mesmo de mudar se queremos deixar às novas gerações a possibilidade de um nível de bem-estar semelhante, ou não muito inferior, ao nosso. O maior desafio deste século é sem dúvida o das alterações climáticas. O maior combate que temos pela frente é o de evitar que a Terra aqueça para além de 1,5 graus. Para o atingir, governos de todo o mundo (em sucessivas conferências), e em particular da Europa, que está a ter um papel de líder neste processo, estabelecem metas necessárias, mas muito ambiciosas.  Acordou-se tomar medidas para que em 2050 haja uma neutralidade carbónica, ou seja que a emissão de Gases com Efeito de Estufa (GEE) seja idêntica à captura efetuada pelos sumidores de carbono (e.g. florestas). Isso envolve diminuições significativas das emissões em diferentes domínios clarificados nos Plano Nacional Energia e Clima 2021-30, nomeadamente serviços, residencial, transportes, agricultura, resíduos e águas residuais. É, contudo, muito mais fácil estabelecer objetivos e metas coletivas do que cumpri-las, sobretudo quando a sua implementação depende quer de políticas públicas (ao nível central e local) quer do comportamento e das decisões de milhares de empresas e de milhões de cidadãos.

Há dois níveis de intervenção em que cada um de nós tem responsabilidades. O primeiro e mais direto são as nossas escolhas individuais. Quando chegar a altura de mudar de carro, que carro escolher para minimizar as emissões diretas da sua utilização, e indiretas na produção de energia? Que posso fazer para aumentar a eficiência energética da casa onde habito? Estou a fazer  tudo o que posso para reciclar o alumínio dos cafés que tomo, os plásticos que utilizo, as garrafas vazias, as pilhas e baterias, os bens informáticos que já não uso, etc.? Caso tenha alguma propriedade rústica, por mais pequena que seja, estou a geri-la tendo em conta o seu potencial de captura de carbono? Frequentemente nos esquecemos que as variáveis macro resultam de comportamentos individuais. “Sê a mudança que queres ver no  mundo” é então o lema que deveria nortear a nossa mudança de vida no que toca às alterações climáticas.

Um segundo nível, é a exigência que devemos colocar aos nossos líderes políticos, em colocarem no topo da agenda, a descarbonização e circularidade das nossas economias, e adoptarem políticas consistentes com esses objetivos. É nas áreas metropolitanas e nas cidades, onde vive já mais de metade da população mundial, que o combate pela descarbonização e contra o aquecimento global se ganhará ou se perderá.  Em 2021 teremos eleições autárquicas. Sejamos exigentes com os que se vão candidatar para que clarifiquem aquilo que, à escala municipal, intermunicipal, ou metropolitana tencionam contribuir para este combate. Dado o peso que a mobilidade e os transportes têm na emissão de GEE (logo na sua redução) pressionemos o governo da República para que, com a oportunidade que os fundos de Bruxelas nos dão, acelere os investimentos nas infraestruturas ferroviárias, de metro e de intermobilidade, para que a oferta de transportes públicos (em quantidade e em qualidade) possa responder de forma satisfatória ao aumento da procura, algo que não acontece hoje. A maior procura foi induzida pela mais importante medida tomada para promover a mobilidade em transportes coletivos: os passes únicos nas áreas metropolitanas. O Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART), que abarca também as comunidades intermunicipais, foi um contributo poderoso para melhorar a acessibilidade aos transportes públicos. Mas não convém esquecer as principais quatro razões para a utilização de automóvel privado, revelados pelo inquérito à mobilidade nas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa (INE,2017): comodidade, rapidez, rede de transportes públicos sem ligação ao destino e ausência de alternativa. É preciso assim um forte investimento para reduzir o congestionamento nos acessos às cidades e reduzir as emissões de GEE. É isto que tem falhado.

O caso da linha Cais do Sodré-Cascais é paradigmático deste não investimento das empresas públicas nas últimas décadas quer na infraestrutura quer no material circulante: algumas carruagens com mais de 70 anos, atrasos frequentes, deterioração da qualidade de serviço. A modernização já  esteve inscrita no Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas (2014-2020) como projeto prioritário no governo de Passos Coelho (PSD/CDS), mas não se fez . Seguiu-se Pedro Marques, no primeiro governo de António Costa, a garantir obras no final de 2018 início de 2019, e nada. Finalmente, um investimento de 75,6 milhões da Infraestruturas de Portugal tem condições para avançar (dos quais 50 milhões do Fundo de Coesão já aprovados por Bruxelas) e irá permitir aumentar a segurança e reduzir em cerca de 50% o consumo de energia. Isso necessitará de novas carruagens. O governo de António Costa parece determinado em apostar na ferrovia e em adquirir mais material circulante para a CP. Acontece que o histórico de aquisições da CP não é famoso, com vários concursos cancelados nos últimos vinte anos e o último, em 2019, concluído, mas impugnado por concorrente derrotado. A situação financeira da empresa não é também a melhor, esperando-se um resultado em 2020 bastante mais negativo do que os prejuízos verificados em 2019. O Programa Nacional de Investimentos 2030 também prevê uma ligação da estação do Oriente à linha de Cascais (nó de Alcântara). Programação temos tido muita, execução bastante menos. Veremos o que conseguirá agora alcançar Pedro Nuno Santos que tutela as empresas do setor.  O acréscimo da mobilidade, o alcançar as metas para a descarbonização depende muito da capacidade de aumentar a oferta.

Para este combate às alterações climáticas precisamos de mudar de vida, dando o nosso contributo individual, mas devemos exigir ao poder político que faça o que lhe compete de forma eficaz.

P.S.: O investimento na ferrovia é necessário, mas não pode ser cego. Isto é, porém, tema para outro artigo.

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