São diversas as razões que me impedem de desfilar a cada 25 de Abril. A primeira é a aversão a manifestações públicas, para cúmulo colectivas. Se já é ridículo que uma pessoa se ache tão interessante a ponto de ter de expôr os seus sentimentos ao resto da humanidade, é duplamente patético que se sinta obrigada a fazê-lo em bando. Um sujeito sozinho aos berros nos Aliados ou no Rossio ainda merece algum respeito (e a atenção do INEM). Acompanhado por milhares de ociosos idênticos, não merece respeito nenhum.
O segundo motivo é o absurdo de comemorar datas. Incluindo a do meu aniversário, não conheço qualquer data digna de festejos ou baderna. Desde o início dos tempos que, de acordo com os paladares, diariamente acontecem tremores, bons, maus, terríveis, desmesurados, ínfimos, incompreensíveis e polémicos. Se sairmos à rua a “assinalar” todos, acabaremos exaustos, resfriados e com a taxa de produtividade do sindicalista médio. Além disso, não haverá trânsito que resista.
O terceiro motivo pelo qual não celebro “Abril” prende-se com o próprio “Abril”. Serei picuinhas, mas causar-me-ia certa impressão passear em prol da democracia junto de criaturas que sempre a combateram. Não querendo generalizar, o tradicional cortejo lisboeta é das maiores concentrações de intolerantes que o país é capaz de agrupar. E a toponímia é tão irónica quanto os propósitos: boa parte daquela gente “desce” a Avenida da Liberdade em nome de um conceito que lhe é fundamentalmente estranho. Por regra, os rostos reconhecíveis na romaria do 25/4 oscilam entre fanáticos de proibições, na melhor das hipóteses, e devotos de totalitarismos, na pior. Mesmo os que não idolatram abertamente tiranos célebres e obscuros entretêm-se a conceber interditos e calar “blasfémias”. É peculiar, por exemplo, que candidatos a censores se congratulem com o fim da censura. Ou que prepotentes naturais recordem com rancor a prepotência alheia. No fundo, eles descem a Liberdade porque não saberiam subi-la nem que tentassem.
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