Já passou mais de um mês desde que a Comissão Independente (CI) apresentou, a 13-2, na Fundação Calouste Gulbenkian, o seu relatório final. Desse trabalho, constou existirem 100 sacerdotes católicos, no activo, suspeitos de pedofilia. Como respondeu a Igreja portuguesa a este inquietante prognóstico?

Antes de transcrever a resposta de todas e cada uma das dioceses portuguesas, há que recordar o que o Papa, muito a propósito, disse na sua mensagem do passado dia 3. Segundo Francisco, pedir perdão é necessário, mas não chega, porque é preciso centrar a questão nas vítimas, na sua dor, nos horrores que sofreram. Por isso, não se pode esconder a tragédia dos abusos, que também acontecem nas famílias e outras instituições. A Igreja tem de ser exemplar no apoio espiritual e psicológico às vítimas. É neste sentido também o comunicado do passado dia 14, do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa, em perfeita sintonia com o Santo Padre.

Um mês depois da apresentação do relatório da CI, é possível concluir que a estimativa de 100 padres, no activo, alegadamente pedófilos, não corresponde à realidade, segundo as respostas das dioceses ao relatório da CI e do site Actualidade Religiosa, de Filipe d’Avillez, possivelmente o jornalista melhor informado sobre esta matéria.

Da lista entregue à Diocese do Algarve constavam 2 nomes, mas “um deles não corresponde a qualquer padre da diocese, nem consta dos arquivos. O outro caso foi investigado em 2021, mas acabou arquivado pelo Vaticano”. Portanto: dos 2 casos indicados pela CI, nenhum deles corresponde a nenhum crime de abuso de menores.

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A Diocese de Angra recebeu da CI uma lista com 2 nomes de alegados abusadores. Embora ainda não haja certeza quanto aos factos, os 2 nomes indicados pela CI foram afastados das suas funções pastorais e, portanto, já não estão activos.

A Diocese de Aveiro recebeu uma lista com 3 padres, que foram denunciados por abusos de menores, mas dois já morreram” e o terceiro “já foi alvo de um processo, que foi arquivado.” Assim sendo, dos 3 casos registados pela CI, nenhum subsiste.

Em relação à Diocese de Beja, consta uma lista com 3 nomes. Destes, 1 era de outra diocese; 1 está já sem cargo, por ter tido dois processos que não eram de abuso de menores, mas 1 é suspeito deste crime: dos 3 casos, 1 corresponde a abuso de menores.

A Arquidiocese de Bragagarante que entre os 8 nomes, há sacerdotes que não se encontram nos registos, 1 caso de um suspeito absolvido e ainda 3 mortos”, para além de um padre que foi preventivamente afastado, depois de recebido o relatório da CI. Ou seja, dos 8 suspeitos indiciados, 1 permanece como suspeito.

Quanto à Diocese de Bragança-Miranda, a CI indicou 3 nomes, mas “a diocese revela que um já morreu, outro foi condenado pelo direito canónico [sic] e um terceiro, está fora da diocese.” Nenhum nome referido pela CI corresponde, portanto, a qualquer padre no activo.

A “Diocese de Coimbra recebeu uma lista com 7 padres suspeitos de abusos sexuais de menores”, mas 5 já morreram e, quanto aos restantes 2 que permanecem no activo, “num, o caso foi arquivado. No outro concluiu-se que nada fez”. Os 7 nomes dados pela CI não correspondem a nenhum padre activo alegadamente pedófilo.

A Arquidiocese de Évora recebeu da CI “2 nomes de sacerdotes diocesanos por alegados abusos. O primeiro deles morreu há uns anos. O processo considera-se extinto.” O outro continua no activo e, “enquanto decorrem as investigações, o prelado decidiu o seu afastamento”, como medida cautelar.

A Diocese do Funchal, no próprio dia em que recebeu os 4 nomes indicados pela CI, fez saber que “nenhum daqueles nomes [corresponde a alguém que esteja a] exercer actualmente qualquer ofício na diocese (um deles é mesmo desconhecido).” Dos 4 nomes apontados pela CI, nenhum corresponde a qualquer sacerdote no activo.

A Diocese da Guarda afastou preventivamente um padre suspeito de abuso sexual no seguimento dos resultados da CI. De acordo com o comunicado citado pela Renascença, 2 padres dessa diocese estão indicados como suspeitos, mas um deles morreu em 1980. O padre que está no activo já tinha sido denunciado anonimamente e o Bispo da Guarda comunicou ao Ministério Público.” Portanto, dos dois nomes indicados pela CI, um correspondia, de facto, a um padre no activo, mas já tinha sido comunicado ao Ministério Público.

D. António Couto, bispo de Lamego confirmou esta segunda-feira à Renascença, que recebeu uma lista com 2 nomes de sacerdotes da diocese alegadamente suspeitos de abuso” (Jornal I, 13-3-23). Os 2 padres foram informados e os nomes entregues ao Ministério Público, mas o Bispo aguarda o envio de mais informação da CI, para poder tomar decisões, uma vez que não recebeu qualquer dado.

A Diocese de Leiria-Fátima recebeu da CI 5 nomes: 3 eram de padres e já morreram. Os outros 2 nomes são de leigos”, um foi afastado e o outro ainda não foi identificado.” Portanto, nenhum dos 5 nomes referidos pela CI diz respeito a padres no activo.

Por sua vez, o Patriarcado de Lisboa comunicou que, “dos 24 nomes, 8 são de sacerdotes já falecidos, 2 são sacerdotes doentes e retirados, 3 de sacerdotes sem qualquer nomeação, 5 são sacerdotes no activo, 4 são nomes desconhecidos, 1 dos nomes refere-se a um leigo e outro a 1 sacerdote que abandonou o sacerdócio.” Logo, dos 24 suspeitos indicados pela CI, 5 são sacerdotes no activo.

O Bispo de Portalegre e Castelo-Branco teve conhecimento, pela CI, de 2 possíveis casos na sua diocese, mas esses 2 padres já faleceram, pelo que em nenhum dos sacerdotes no activo recaiu qualquer acusação de abuso de menores.

A Diocese do Porto informou que recebeu da CI uma lista com 12 nomes. Destes, 4 já morreram, 1 não pertence à diocese e sobre os restantes 7 não existem quaisquer informações que justifiquem o afastamento preventivo, mas serão investigados. Portanto, dos 12 nomes referidos no relatório da CI, há 7 que estão sob investigação.

A Diocese de Santarém divulgou um comunicado em que afirma não ter recebido da CI indicação de nenhum nome de qualquer padre acusado de abusos.

À Diocese de Setúbal foram adjudicados 5 casos, dos quais um tem já o seu processo civil/canónico concluído; outro não pertence à diocese; um terceiro não tem qualquer cargo; e os restantes dois estão no activo, mas a Diocese aguarda informações que lhe permitam tomar alguma decisão a seu respeito. Portanto, dos 5 casos apontados, 2 correspondem, efectivamente, a padres no activo.

A Diocese de Viana do Castelo garantiu que nenhum dos padres envolvidos nos 7 casos na sua área, que constam do relatório da CI, se encontra no activo”. A CI indicara que, nesta diocese, havia 7 possíveis padres pedófilos, não havendo nenhum.

A Diocese de Vila Real recebeu da CI uma lista com 3 nomes. Destes, dois já foram tratados civil e canonicamente, tendo resultado em penas de suspensão e de expulsão do ministério. O terceiro nome diz respeito a um padre que reside em Vila Real, mas está incardinado noutra diocese. Portanto, como dos 3 casos referidos pela CI, 2 já tinham sido resolvidos, resta um alegado abusador que, por não ser diocesano, deverá ser julgado pela autoridade civil e canónica competente.

Por último, a diocese de Viseuadmitiu esta quinta-feira que já tinha conhecimento dos nomes dos 5 sacerdotes da diocese indicados pela CI.” Segundo declarações do seu Bispo, “todos estes já eram do meu conhecimento e já tinham sido tratados segundo as normas aplicáveis, quer a nível canónico, quer a nível civil, tendo também sido entregues ao Ministério Público.” Neste caso, a investigação da CI resultou irrelevante, porque todos os casos que referiu eram já do conhecimento do Bispo diocesano, e já tinham sido “entregues ao Ministério Público.

Esta amostra inclui todas as dioceses territoriais do país – o Ordinariato castrense é uma diocese pessoal, mas não registou nenhum caso de abuso de menores – mas não as instituições religiosas com clero próprio. Para todas as dioceses do país, a CI referiu 100 casos de possíveis padres suspeitos de abusos de menores. Contudo, depois de verificados os nomes pelas respectivas dioceses, confirmam-se 27, porque os restantes 73 correspondem a sacerdotes já falecidos (mas cujas vítimas, como é óbvio, não podem nem devem ser esquecidas), ou cuja queixa foi arquivada, ou que abandonaram o ministério, ou a leigos, ou até a pessoas não identificadas, porque não existem.

A Professora Mafalda Miranda Barbosa, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, disse que o relatório da CI, “a todos os níveis, se revela muito pouco rigoroso, para não dizer risivelmente desastroso”. De facto, agora veio-se a saber que, na dita lista, há de tudo um pouco. Com efeito, para além dos sacerdotes sobre os quais recai uma plausível suspeita de abusos de menores e que convém que sejam afastados de todas as funções, pelo menos enquanto não se esclarecer a sua responsabilidade, há também padres já falecidos; leigos; presbíteros que deixaram o ministério, ou que o não exercem; sacerdotes cuja queixa foi arquivada; e, até, nomes que não correspondem a nenhum padre. Assim se (não) faz justiça em Portugal!