Foi em 2000 que começaram as negociações comerciais entre a UE e o Mercosul, que finalmente mereceram acordo político, assinado pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, com os Presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, no passado dia 6 de dezembro.

Entretanto a Europa, e o mundo, mudou. A China integrou a Organização Mundial do Comércio em 2001.  As notas e moedas do euro entraram em circulação nos países da Zona Euro em 2002. Novos Estados-Membros aderiram à União Europeia entre 2004, 2007 e 2013, um saiu em 2020. Vivemos uma grande crise financeira e de dívida entre 2008 e 2012, uma pandemia em 2020 e uma guerra à nossa porta desde 2022.

O que não mudou, e até se intensificou face a estas mudanças, foi a necessidade deste Acordo, que abre caminho à criação de uma nova zona de comércio livre para mais de 700 milhões de pessoas.

Sem ignorar alguns desafios, os acordos comerciais e de investimento entre países e regiões têm efeitos positivos para consumidores e produtores. Desde logo, aumentam a oferta de bens e serviços e reduzem os preços. Isto é válido também para matérias-primas e bens e serviços, que são integrados na produção das empresas, e posteriormente vendidos nos mercados nacionais ou exportados.

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No caso da União Europeia, que tem em média direitos aduaneiros mais baixos que o resto do mundo, incluindo os países do Mercosul, um acordo comercial é especialmente vantajoso. A Comissão Europeia estima que as empresas que exportam para os países do Mercosul, que vão desde produtores de peças automóvel a produtores de queijo, possam poupar até 4 mil milhões de euros por ano em direitos aduaneiros. Isto sem contar com os efeitos indiretos do aumento dos investimentos e da criação de novos negócios que possam resultar desta aproximação com os países do Mercosul.

Mas um acordo desta natureza é ainda mais relevante numa perspetiva geopolítica. Por exemplo, o texto agora assinado prevê que certas partes do Acordo possam ser suspensas em caso de incumprimento do Acordo de Paris. O Acordo também facilita o acesso da Europa a matérias-primas fundamentais para a transição verde e digital, em particular o lítio, que nos permite estar numa posição cimeira nestes setores cruciais para o desenvolvimento sustentável.

Para além do mais, este Acordo chega num momento em que o parceiro comercial privilegiado da Europa, EUA, está menos aberto ao mundo. Se esta tendência se mantiver, será uma grande vantagem para a Europa ter a possibilidade de reforçar os seus laços comerciais com outras regiões.

Por fim, o Acordo permite diversificar as fontes de importações e os mercados de exportação para as empresas europeias. É uma estratégia que reduz a dependência da Europa face a outras regiões e, ao diversificar as relações comerciais e de investimento, reduz os riscos e reforça a resiliência de abastecimento de bens essenciais.

Depois do acordo político, será possível implementar a vertente comercial desde que haja aprovação por maioria qualificada dos Estados-Membros no Conselho e por maioria simples no Parlamento Europeu. Neste momento, quatro Estados-Membros que representam sensivelmente 30% da população europeia manifestaram-se contra o Acordo. Para ser aprovado, é necessária a aprovação de pelo menos quinze Estados-Membros que representem 65% da população. A entrada em vigor da totalidade do Acordo, incluindo a vertente de investimento, necessita da aprovação dos parlamentos dos Estados-Membros para ser implementado.

O processo ainda é longo, mas Portugal é um dos países com maior potencial para aproveitar as vantagens deste Acordo. Não só porque é um dos dez Estados-membros da UE mais aberto aos países do Mercosul, com exportações e importações de 5 mil milhões de euros em 2023, mas também porque está numa posição privilegiada para se tornar uma plataforma relevante na relação entre a Europa e a América Latina.