A Comissão Europeia apresentou esta semana um novo mecanismo, chamado Instrumento de Emergência do Mercado Único (Single Market Emergency Intrument – SMEI), que visa garantir a segurança de abastecimento de bens essenciais durante situações de emergência. Esta proposta vem no seguimento da sequência de crises, primeiro pandémica e agora provocada pela guerra, que condicionou a oferta de materiais de proteção individual e médicos e atualmente condiciona os preços energéticos e dos cereais.

O instrumento tem três níveis de atuação. A primeira fase implica o desenvolvimento de protocolos para futuras emergências. A segunda, acionada pela comissão, prevê nomeadamente o reforço de reservas e compras públicas de bens considerados estratégicos. A terceira, ativada pelo Conselho, inclui medidas para assegurar que o mercado único e a livre circulação funcionam sem limites para permitir a compra conjunta, coordenada pela Comissão Europeia, de bens estratégicos. Por fim as medidas de último recurso podem obrigar empresas a prestar informação sobre produção e distribuição de bens estratégicos e priorizar certas encomendas e bens.

Uma parte considerável desta proposta trata de formalizar práticas que foram utilizadas durante a pandemia, com sucesso, em particular a capacidade de comprar em conjunto bens essenciais para negociar preços mais favoráveis, ou até a intervenção para impedir que os Estados Membros limitem a circulação de bens essenciais. Estas medidas vão no sentido de assegurar um duplo objetivo de segurança de aprovisionamento e preservação dos mecanismos de funcionamento de mercado e de liberdade de circulação em situações de emergência.

Mas a maior novidade deste pacote é a capacidade que dá à UE de intervir directamente no mercado, por exemplo, obrigando empresas a produzir certos bens, e acelerar a sua entrada no mercado. As condições de aplicação deste último mecanismo são exigentes. Mas é inegável que a direção que toma no sentido de um maior intervencionismo comunitário é uma mudança importante face à evolução do mercado único nos últimos anos. A natureza exata da aplicabilidade deste instrumento não é ainda inteiramente clara. Por exemplo, a experiência da pandemia demonstra que quando as necessidades de um certo bem aumentam de forma significativa, a subida de preços no mercado é um potente incentivo para aumentar a oferta, sem haver necessidade de grande intervenção do Estado. No entanto, não sabemos se poderá ser utilizado, por exemplo se a crise energética obrigar ao encerramento de certas atividades, o que obrigaria a uma intervenção do Estado.

O desenvolvimento do mercado único foi o impulso mais libertador para as economias europeias desde os primórdios da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Ao longo das décadas, os esforços para criar um grande mercado europeu não refletia apenas uma visão de que era necessário uma economia menos manietada pelos Estados, mas também de que um mercado mais livre, significava maior liberdade para os cidadãos. Para comprar e vender livremente num país europeu, os cidadãos têm de se poder movimentar e estabelecer livremente.

Um instrumento que permita a intervenção direta e planificadora na economia europeia só poderá ser usado em circunstâncias verdadeiramente excecionais e de uma forma muito transparente e escrutinada, sob pena de regredirmos nos princípios fundamentais de liberdade defendidos pelos fundadores da UE, que nos trouxeram até aqui em paz e prosperidade.

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