Esta semana foi divulgado pela Euractiv um draft preliminar do “Net-Zero Industry Act”, que deverá ser formalmente anunciado no dia 14 de março. Este pacote legislativo tem três objetivos. O primeiro e mais importante, é reduzir para o mínimo possível a pegada de carbono da produção. O segundo é reduzir a dependência económica face a alguns países, especialmente a China, na produção de equipamentos que são fundamentais para o desenvolvimento das energias renováveis. O terceiro, implícito, é responder ao “Inflation Reduction Act” dos Estados Unidos, que a Comissão considera ser discriminatório face à Europa, especialmente no setor automóvel.

Nesta versão preliminar e não oficial, a Comissão aponta objetivos concretos na produção de bens intermédios “verdes”: 40% dos bens necessários para atingir os objetivos do “Green Deal” e “Repower EU” e objetivos setoriais tais como a capacidade de produzir 40% dos painéis solares voltaicos, 85% das turbinas eólicas, 85% das baterias e 50% dos eletrolisadores necessários à UE.

Para atingir estes objetivos, propõe simplificar os licenciamentos para certas energias estratégicas, nomeadamente solares, eólicas, baterias, bombas de aquecimento, hidrogénio verde, biometano, fusão nuclear e captura de carbono. Em parte, estas alterações deverão ser feitas com o apoio das autoridades nacionais, que devem dar prioridade a projetos nestas áreas, e propõem a criação de áreas especiais “Net Zero Valleys” para a construção de fábricas que desenvolvam este tipo de tecnologias. Na contratação pública respeitante a estes projetos, a Comissão quer introduzir um critério de segurança baseado numa reduzida proporção de bens originários de países fora da Europa. No que diz respeito a financiamento, a Comissão refere que estes projetos poderão ser financiados por fundos europeus, mas também deve ser envolvido o setor privado, em particular através de uma plataforma que permita identificar as dificuldades de financiamento dos projetos.

Há vários aspetos desta legislação que são meritórios. Com esta proposta a Comissão dá um empurrão inédito à política de descarbonização, com base no desenvolvimento de uma especialização da economia europeia fortemente apoiada pelos legisladores europeus e nacionais. É, sem complexos, uma política para colocar a Europa na frente da produção de tecnologias verdes ao longo de toda a cadeia de valor. Esta estratégia poderá ter sido inspirada pelo caso do Airbus, que durante várias décadas foi apoiado para poder concorrer com o Boeing dos Estados Unidos apoiando a indústria aeroespacial em alguns países europeus. Alguns dos métodos para atingir estes objetivos são também meritórios, tais como a simplificação do licenciamento, que poderia ser alargado a mais setores, e o reforço do investimento e da formação em áreas cruciais para o aumento da competitividade e produtividade da economia europeia.

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No entanto, esta proposta coloca várias dúvidas e alguns problemas.

Em primeiro lugar, a Comissão aponta para que os problemas de segurança económica sejam ser resolvidos através da “simples” substituição de importações. Este caminho significativamente mais protecionista representa um afastamento considerável do que tem sido a política da União Europeia nas relações com os seus parceiros comerciais na maioria das áreas de atividade. E se é provável que tenha um efeito considerável na transformação da indústria europeia, não é claro que estas medidas sejam as mais eficientes para atingir os objetivos da Comissão aos menores custos. Mesmo o objetivo de segurança de abastecimento pode ser mais bem assegurado por uma combinação de produção interna e pelo reforço das ligações com parceiros económicos seguros e confiáveis.

Em segundo lugar, a explicitação de áreas e tecnologias “verdes” deixa de lado inovações, talvez ainda desconhecidas, que podem revelar-se mais eficientes para cumprir os objetivos de descarbonização da economia, e inclui a fissão nuclear com área prioritária de investimento, o que é polémico devido aos excedentes radioativos que resultam da produção. Não é também nada claro porque é que a Comissão decidiu definir não só as tecnologias preferidas, mas também aqueles objetivos específicos de produção. Poderá haver um racional tecnológico, mas, se for o caso, é importante dar a conhecê-lo.

Em terceiro lugar, este pacote tem respostas muito específicas e direcionadas que podem distrair dos problemas que afetam de forma transversal a capacidade de inovação da União Europeia, entre os quais se encontram as limitações ainda existentes ao mercado único, designadamente nos mercados de capitais e no setor bancário. É importante se mantenha a pressão para realizar essas reformas.

Por fim, para cada experiência de política industrial que teve sucesso, existem dezenas que foram um falhanço e que resultaram em desperdícios de recursos e atrasos na inovação. Para além dos mais, uma política mais intervencionista na Europa pode pôr em causa a capacidade dos pequenos países mais periféricos competirem com os maiores, colocando um problema de coesão.

Embora o objetivo “Net zero” seja meritório e seja importante responder à necessidade de uma maior segurança de abastecimento no setor das energias renováveis, não é claro que esta versão preliminar do “Net Zero Industry Act” da Comissão ofereça a resposta mais eficiente e mais justa.