Na semana passada foi-me dado o privilégio de ir à Faculdade de Letras falar acerca da actual incapacidade de pecar que a Europa ganhou. Passo a vida a chatear com este assunto e, naturalmente, não ia poupar aqueles ouvidos mais académicos de levarem com a minha tese (é óbvio que a tese não é minha, é uma força de expressão porque facilmente me entusiasmo com os assuntos que me fascinam). Isto da Europa já não saber pecar é dos fenómenos mais tristes que nos calha em sorte.

Começo sempre por dar o exemplo do assassino português mais célebre dos últimos tempos: Luís Miguel Militão Guerreiro (tenho um fraco por assassinos portugueses e ainda há pouco tempo comecei uma banda chamada A Cabeça de Diogo Alves—apesar deste, o assassino do aqueduto, ser galego de nascença). Muito resumidamente, Luís Miguel Militão Guerreiro atrai seis compatriotas a Fortaleza, no Brasil, onde morava há pouco tempo para roubá-los, atacá-los a golpes de pá e a tiro, e enterrá-los, alguns ainda vivos, num bar da Praia do Futuro. Tentou fugir da polícia mas foi apanhado. Esta história teve muito impacto na imprensa portuguesa no Verão de 2001 mas o 11 de Setembro atirou-a para a pilha das irrelevâncias mediáticas.

O que é possível concluir a partir do brutal relato deste português que transportou a sua crueldade para um paraíso brasileiro, para aí se tornar o criminoso que em Portugal nunca conseguiu ser? Um português, para ser pecaminosamente eficaz, precisa deixar Portugal. Em Portugal, Luís era um trabalhador frustrado, no Brasil seria um criminoso atrevido; em Portugal tinha um casamento entediante, no Brasil trocaria de prostituta todas as semanas; em Portugal não havia religião que lhe valesse, no Brasil veria demónios e frequentaria igrejas evangélicas. E por aí em diante. A minha extrapolação é: Portugal já não sabe pecar. E, consequentemente, toda a Europa.

Deixo as partes mais chatas desta minha tentativa de sociologia profética para outra ocasião, mas elas envolvem falar de Nietzsche, Lutero, Peter Sloterdijk, Flannery O’Connor, Byung-Chul Han, e, claro, Søren Kierkegaard. Desejo apenas aqui apontar dois subsídios para recuperarmos a nossa sensibilidade pecaminosa. Em primeiro lugar, vale a pena ler o livro que Luís Miguel Militão Guerreiro escreveu, chamado “Morrer na Praia do Futuro”. Em segundo, a Europa para reaprender a pecar precisa desesperadamente de bons exemplos de como o fenómeno se dá.

Como assim? Não me passa pela cabeça apelar a que os cidadãos cometam as piores malvadezas de que sejam capazes. O meu intuito defende-se no cuidado do paradoxo: se a Europa (e outras partes do mundo, mais influenciadas por ela) se salvou de precisar de ser salva, uma vez que deixou de acreditar no pecado e praticá-lo, então precisam os cristãos de dar o exemplo de como o produto funciona. Se quando o pecado era um conceito consensual os cristãos levavam as pessoas das trevas para luz, hoje os cristãos precisam de levar as pessoas da luz para as trevas. Num mundo de saúde os cristãos precisam de se tornar os novos doentes para quem Jesus veio ser médico.

Quando os cristãos querem mostrar virtudes, levam areia para a praia. O crente pregar a moral fazia sentido quando todos admitiam tê-la em falta. Hoje o crente precisa de pregar o pecado (de modos diferentes mas convergentes, Byung-Chul Han descreve o nosso tempo como em excesso de positividade, e o americano Aaron Renn diz que começou a era negativa para os cristãos). A minha última sugestão é na roupa: façamos os nossos próprios M.E.S.A. hats dizendo “make Europe sin again”.

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