Fascina na entrada triunfal de Jesus em Jerusalém o papel da roupa. Ainda hoje, quando se prevê um grande ajuntamento, não são poucos os que se preparam para ele através do que vestem. Calhou-me passar pela miudagem que no ano passado ia para o concerto do Harry Stiles em Algés e espantei-me com o modo como se se vestia. Grandes eventos puxam pelo que vestimos.

Há um paralelo precioso com o que acontece com a roupa daqueles que em Jerusalém acolheram Jesus. O texto bíblico diz-nos que duas coisas se fazem com roupa naquele episódio: em primeiro lugar, pôs-se roupa no jumentinho para que Jesus montasse nele e, em segundo, as pessoas estendiam a roupa pelo caminho para que agora o jumentinho, transportando Jesus, a pisasse. Imaginem uma coisa assim: a roupa do povo a servir de tapete.

Hoje não estamos muito habituados à ideia de que a roupa que vestimos pode servir para dar valor a outra pessoa que não nós, que a vestimos. Claro que há uma ou outra ocasião em podemos ter de nos vestir mais formalmente, não tanto porque gostamos mas porque a ocasião exige. Mas as ocasiões que exigem da nossa roupa estão, julgo, a tornar-se cada vez menos.

A verdade é que nos vestimos sempre em conformidade com o que valorizamos. Vestimo-nos e despimo-nos, vale a pena acrescentar. O que usamos na pele é, de um modo ou de outro, o que nos enche o coração. Visto-me para o artista que vou ver em concerto, visto-me para o artista que muitas vezes serei eu próprio, e por aí em diante. Mas vestir nunca é apenas vestir.

Reconheço que tenho esse hábito óbvio de escolher a roupa pensando em mim, nos triunfos que eu próprio gostava de alcançar. Nessa medida, todos vivemos a tentar coreografar as nossas próprias entradas triunfais. Mas também reconheço que, num dia em que se recorda Jerusalém invadida por Jesus, não me traz grande descanso essa tentativa constante de reinar sobre as circunstâncias. Vestir-me para acolher quem é muito melhor do que eu é uma moda muito, mas muito preferível. E que dá paz.

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