Vida Boa para os portugueses é o mote escolhido por Maria Mortágua, a nova coordenadora do Bloco de Esquerda. Nesse desejo, a nova líder do BE está totalmente alinhada com 100% dos portugueses. De tão pueril, o jornalista Vítor Gonçalves, na Grande Entrevista da RTP, perguntou-lhe se não achava que desejar Vida Boa aos portugueses não soava um pouco a discurso de Miss Mundo. Ainda que cada um de nós possa ter a sua própria conceção de vida boa, podemos facilmente alcançar um consenso relativamente a muitas das dimensões essenciais para alcançar essa condição. O acesso à habitação, salários mais elevados e menos precariedade, acesso a uma educação de qualidade, a cuidados de saúde ou a transportes regulares, eficientes e de qualidade. Estamos todos de acordo em relação à importância de garantir a todos os portugueses o acesso a estes bens e serviços. Ou seja, defender como programa uma Vida Boa para os portugueses, não distingue em nada o BE de qualquer outro partido. Aquilo que deve distinguir os partidos são as propostas para alcançar uma Vida Boa para os portugueses.
Na Grande Entrevista da RTP, Mortágua defendeu que a Vida Boa, em que as pessoas têm acesso àqueles bens e serviços essenciais – habitação, saúde e educação – deve ser um dado adquirido. De acordo com a coordenadora do BE, as pessoas não deviam ter de lutar para alcançar aqueles bens. Uma história do paraíso na terra, para crianças. Os países que conseguem hoje aproximar-se desse paraíso na terra são os países nórdicos, como a Suécia, a Dinamarca ou a Noruega. No entanto, esses países, para garantirem um conjunto alargado de direitos a quase toda a população, precisaram de muitas gerações e de estratégias de desenvolvimento que colocaram a sua capacidade de produção de riqueza entre as mais elevadas do mundo. É essa riqueza que permite redistribuição de recursos e a proteção dos mais frágeis. A criação de riqueza nunca esteve entre as prioridades do BE.
Para além de propostas de redistribuição, ao BE não se conhecem propostas consistentes de melhorar a vida dos portugueses. Por exemplo, em 2023, há cerca de 1,7 milhões de portugueses sem médico de família. Mais um milhão que no início do primeiro governo de António Costa. O BE fez parte da Geringonça que viabilizou os dois primeiros governos minoritários do PS. Como moeda de troca condicionou as políticas do PS na área da saúde. Os resultados que hoje temos na saúde em muito se devem às medidas propostas pelo BE, que se baseavam em querer afastar os privados do sector da saúde e em despejar dinheiro sobre o Serviço Nacional de Saúde. Os resultados estão à vista de todos: rutura dos serviços públicos em áreas essenciais como as maternidades e um enorme aumento do número de portugueses que dependem do sector privado para resolver os seus problemas de saúde. Mortágua fala dos problemas que existem no setor da saúde como se o BE nada tivesse que ver com isso.
Quando pressionada por Vítor Gonçalves para propor soluções para o problema da habitação, a líder do BE propôs a proibição da construção de novos hotéis e de novas licenças de alojamento local nas zonas mais congestionadas, como o centro de Lisboa e do Porto. Para Mortágua, o aumento dos preços da habitação é explicado pelo turismo. Considera também que este sector já cresceu demais.
Não tendo soluções para apresentar para que as pessoas tenham acesso à habitação – sem dúvida uma condição para uma Vida Boa – a líder do BE segue a mesma estratégia de sempre, identificar um inimigo, neste caso os hotéis e o alojamento local. A estratégia é eliminar o inimigo e, uma vez eliminado, o problema da habitação ficará resolvido. Na sua abordagem bélica e simplista a um problema muito complexo, despreza totalmente o contributo do turismo para o emprego e para a criação de riqueza. Desvaloriza também a sua contribuição para o crescimento das exportações e, por essa via, para a correção dos desequilíbrios macroeconómicos. Em suma, ignora o contributo que o turismo tem dado para melhorar a vida de muitos portugueses.
Os portugueses têm conseguido aproveitar o extraordinário crescimento do turismo, construindo hotéis e restaurantes de cada vez melhor qualidade, oferecendo uma grande diversidade de serviços ou de experiências como se diz na linguagem do sector. Esse empreendedorismo dos portugueses tem-se alargado a cada vez mais territórios. É verdade que há uma elevada incidência de baixos salários e que a vida dos trabalhadores dos hotéis e restauração é dura, com trabalho noturno e aos fins-de-semana. A forma de melhorar a vida dessas pessoas é com mais e melhor turismo, o que tem vindo a ser feito.
Como já aqui referi várias vezes, o aumento das exportações (que não se tem baseado apenas de turismo) é uma transformação estrutural da economia portuguesa. Uma economia exportadora é uma economia em que as empresas têm de estar continuamente a melhorar a sua competitividade e a inovar. Uma economia mais exportadora é também uma economia menos dependente do Estado. No fundo, é esta a razão por que o turismo tanto incomoda Mariana Mortágua. Quanto menos os portugueses dependeram do Estado para alcançarem uma Vida Boa, menos relevante será o BE. E hoje o BE luta por ser um partido relevante. Nessa luta, as soluções simples e populistas serão sempre uma tentação.