O livro “The Churchill Factor”, de Boris Johnson, foi publicado há cerca de 5 anos. Estou a lê-lo há uma semana, antes e durante o “golpe” de 28 de Agosto, portanto.

Muitas e notáveis coincidências. Uma das mais evidentes consiste no relato muito vivo de uma série de reuniões do War Cabinet, composto pelo primeiro-ministro Winston Churchill, pelo ex-primeiro-ministro Neville Chamberlain, pelo titular da pasta dos Negócios Estrangeiros (Foreign Secretary) Lord Halifax e pelos líderes do Labour e dos Liberals.

Essas dramáticas reuniões decorreram entre 26 e 28 de Maio de 1940. Durante esses três dias, Lord Halifax tenta convencer o seu primeiro-ministro a negociar um acordo com Hitler que livrasse o Reino Unido de entrar na guerra, em sintonia com os “aliados” dos alemães, Itália e União Soviética. Prescindindo assim da defesa dos países ocupados e dos princípios que defendiam contra as aspirações da Alemanha nazi. Para além dos seus contactos directos com Goering, Halifax tinha recebido através dos canais diplomáticos uma proposta de mediação italiana para iniciar essas negociações, secundada pelo próprio primeiro-ministro da França ocupada e em desespero.

Para além de Halifax, Neville Chamberlain apoiava igualmente a negociação com os alemães. Sabia-se até que o Rei George VI também preferia essa via à entrada em guerra e grande parte da população, a pouco mais de 20 anos do fim da Primeira Guerra, não desejava outra mortandade, naturalmente. Parte dos media e da alta finança e o próprio embaixador dos Estados Unidos em Londres, Joseph Kennedy (!), idem.

Apenas Winston Churchill se manifestava ferozmente contra as negociações, por entender que aceitar caminhar esse caminho seria o primeiro passo para o fim do Reino Unido e o início do sinistro mundo nazi. Sem força, ao lado da posição do primeiro-ministro, estavam apenas os líderes dos partidos da oposição. Naquele ambiente fechado do War Cabinet, Churchill não conseguiu convencer os seus opositores com os seus argumentos e, após um adiamento e antes da reunião seguinte, convoca de surpresa o seu Conselho de Ministros, onde faz um discurso emotivo que arrebatou os seus colegas e demoliu definitivamente as pretensões de um silenciado Halifax. Um “golpe” ousado, mas que teve êxito.

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Nesta parte do livro, o autor recorda também a posição de fragilidade de Winston Churchill no Parlamento, à data, principalmente no seio do seu próprio partido, que o considerava o campeão da deslealdade política – com algum fundamento, é verdade – e o olhavam com desprezo e desconfiança, ansiando pela sua queda.

O resto é história conhecida. Apesar do seu isolamento e só com a sua determinação e alguma dose de loucura, Churchill levou o seu país para a guerra sozinho contra a Alemanha, conseguindo depois o apoio dos Estados Unidos. Os britânicos sofreram por si e pelos outros o que se sabe, ou seja, muito mais do que era humanamente exigível. Mas fizeram o que devia ser feito e a Europa acabou por ser libertada.

Retirando daqui o dramatismo e a brutal violência da guerra, o Reino Unido está hoje a atravessar um dilema idêntico, contando somente, até agora, com o reconhecimento dos Estados Unidos.

Sobre o tema, Roger Scruton escrevia em 2017: “(…) Para muitos simples eleitores (…) estava em disputa algo que tinha vindo a ser sistematicamente esquecido pelos políticos (…), nomeadamente a questão de identidade: quem somos nós, onde estamos, e o que é que nos mantém juntos numa ordem política partilhada? (…) Para além disso, não se trata de uma questão que pode ser resolvida com argumentos económicos, pois tem que ser respondida antes que quaisquer argumentos económicos façam sentido” (tradução minha).

O que se passou em Maio de 1940 ressurge agora. O Parlamento, entretanto suspenso, tem sido usado pelos seus membros para todo o tipo de manobras, essas sim, verdadeiros golpes. No último ano temos vindo a assistir a uma coligação negativa e inconciliável, de orientação difusa, que Jeremy Corbyn tem aproveitado para tentar chegar onde a sua falhada ideologia nunca o permitiria pela via do sufrágio. O primeiro-ministro britânico opõe-se a essa coligação negativa, tendo exprimido muito claramente a sua posição durante a campanha que fez para ser nomeado. No fundo, para cumprir o Brexit decidido no referendo de Junho de 2016, tenta recuperar os anos perdidos pela sua antecessora em negociações erráticas e votadas ao insucesso com os negociadores que a União Europeia designou. E pelo caminho ainda pode desviar o Partido Conservador da rota de extinção em que se tinha colocado.

Não há clones em política, felizmente, e é certo que Boris Johnson não é Winston Churchill. E obviamente que Bruxelas não é Berlim do Terceiro Reich, Theresa May não é Neville Chamberlain, nem Philip Hammond, John Major ou Michael Heseltine são réplicas de Lord Halifax, pero que las hay, las hay.

(Para quem estiver interessado na leitura do “The Churchill Factor”, recomenda-se Joy Division como música de fundo).

Luís Gouveia Fernandes é advogado