A dúvida entre o “será por respeito ou por medo?” que resulta da forma como as suas “exigências” são acatadas pelos filhos, sempre que ele se  “impõe”, exercendo a sua autoridade, nunca deixou de ser determinante na forma como o pai vacila, hesita e se reconhece “perdido”, sem perceber os motivos pelos quais os seus “Nãos!” não merecem, “regra geral”, grande contestação. Será que isso acontece porque ele reúne crédito, como pai (pela forma como é bondoso, é sábio e é justo) ou isso se deve ao facto dos seus “nãos de pai” serem intimidantes e assustarem?

Compreende-se que o pai não ache que o medo que possa sugerir a um filho o deixe lisongeado diante dos seus próprios olhos. E compreende-se — mais, ainda — que o pai se “encolha” quando um dos seus “apontamentos de pai” parece despertar uma reacção assustada da parte de um filho. Ter medo de um pai não faz com que se goste mais dele. Não o torna mais apetecível como objecto de admiração. Nem justifica que se transforme o medo que sobressaia nos seus gestos no condimento preponderante para nos reconhecemos nos seus actos. Para nos procurarmos identificar a ele. E para nos assumirmos como seus filhos, em muitos aspectos da nossa personalidade.

E, no entanto, o medo será indispensável quando, nalguns momentos, um pai tem de agir “como pai”. Porque, “no limite”, algum receio (ou, mesmo, algum medo) que sobressaia das suas repreensões torna as suas exigências mais susceptíveis de serem aceites. Porque a forma como ele reage mais acentuadamente leva a que os filhos não desafiem as interdições que o pai (em concordância com a mãe) entenda serem incontornáveis para que eles os sintam protegidos ou bem educados. Mesmo quando essas interdições são “aceites” a contragosto. Ou sem que se perceba, ao pormenor, os motivos que as justificam. O medo não é, seguramente, o condimento fundamental para que os pais ganhem o respeito dos filhos. Mas haverá um “quanto baste” de medo, nalguns dos seus “actos de pais”, que não deixa de ser indispensável para que os filhos distingam o bem do mal. E assumam como sua a “Lei dos pais”. Que os capacita para se relacionarem com os outros, com os seus próprios ímpetos, com os seus sonhos, com os obstáculos, com as suas escolhas, com os seus amores e, é claro, com os seus medos.

Mas será de outros medos que gostava de conversar, hoje, convosco. Daqueles que, aparentemente, pouco têm de medo mas que o geram, de forma mais ou menos silenciosa. E que condicionam as escolhas dos filhos; muitas vezes, pela vida inteira. Refiro-me ao modo como a relação dos pais para com os filhos é, continuadamente, pautada pela hostilidade. Ou à forma como, das suas reacções, a par de atitudes acolhedoras e bondosas, surgem, repetidamente, reacções de amuo, que perduram por dias. E que leva a que muitos pais deixem, por exemplo, de dirigir a palavra aos seus filhos. Ou faz com que retaliem, em função de comportamentos que entendem censuráveis, fazendo-se de vítimas. Ou que os leva a ser exigentes. Sempre existentes. Quase só exigentes. Ou faz com que os filhos sintam os pais, continuadamente, “longínquos” ou inacessíveis. Agitados. Agrestes. “Inflamáveis”. Ou alheados e “fechados” sobre si. Calados, simplesmente. Mais ou menos parados. Tristes. Mas funcionais e presentes; todavia.

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Os pais, sempre que não são nem tão vivos nem tão exuberantes, como pais (como os filhos esperam de si) parecem zangados. Na verdade, estarão zangados com a vida ou com alguém, em particular. Mas o seu olhar perde transparência. Ganha opacidades. “Desfoca-se” dos filhos. Vagueia um bocadinho. E assusta. E assusta tanto ou tão pouco que “aquele olhar” os condiciona. Os leva a sentir que o melhor de si, como filhos, talvez não chegue para “agarrar” os pais. Ou para os arrebatar e “prender”. E, por isso mesmo, leva a que os filhos cresçam com as boas qualidades que os pais não deixaram de lhes trazer (e que os leva a ser “guerreiros”, ousados ou arrebatados, em relação a quase tudo o que fazem). Mas, ao mesmo tempo, faz com que exista neles um “outro eu” — que, mais tarde, se manifesta, sobretudo, nas relações de grande proximidade, nas relações amorosas, em particular, e na relação com um primeiro filho — que não deixa de ser um bocadinho “acabrunhado”. Quase sempre muito inseguro. Muito suscetível às experiências de “culpa”. E condescendendo com relações que o seu “lado mais saudável” jamais aceitaria. Como se se levasse esse “lado de criança assustada” para as relações de grande proximidade. E, duma forma que não se premedita nem se escolhe, fizesse com que se amasse a medo. Quase como se se pedisse desculpa por se “existir”.

Esta forma de se amar a medo já nos tocou a todos. Talvez já tenha contribuído para “atropelar” algumas das nossas relações amorosas. Já terá gerado a pergunta: “Mas o que é que se passa comigo?…”, que todos já fizemos, quando nos sentimos a repetir um mesmo formato de relação amorosa que não nos deixa tão seguros assim de “ficarmos bem na fotografia”. Como se, independentemente das pessoas e das diferenças que elas nos trazem, existisse uma espécie de “compulsão à repetição” que nos empurra para sermos sempre “iguais”. Que nos leva a sentir que “damos azar”. E que, acreditem, condiciona mais e tem efeitos mais perversos que a dúvida: “será por respeito ou por medo?”, terá trazido ao nosso crescimento.

Amar a medo não é bem amar. É amar, pedindo desculpa. O que, ao pé do “É respeito ou é medo?”, de muitos dos nossos pais, faz mais estragos. Traz mais estranheza. E acompanha-se — sempre! — duma “sensação” esquisita que nos leva a prescindir daquilo que temos de mais espontâneo, para que gostem de nós. Quase como se amássemos pelos dois. E nos levasse a concluir que nem assim se ganha a segurança de um amar alegre. E seguro.  E feliz.