“É só fazer as contas”, disse um dia o pai fundador do corrente poder socialista. Durante anos, houve dúvidas de que os portugueses tivessem ouvido António Guterres. Mas esta semana, perante o pacote anti-inflaccionista de António Costa, os portugueses parecem finalmente ter feito contas. E as contas que fizeram não bateram certo com a excitação de Pai Natal com que o governo expôs as suas “ajudas”. Afinal, a doação de 125 euros é única, e, com a subida dos preços, não vai muito além de um carrinho de supermercado. Afinal, a grande poupança no custo da electricidade pouco mais significa do que um euro por mês. Afinal, o maior aumento de pensões desde o euro é também, a prazo, o maior corte de pensões desde o euro. E a pergunta foi geral: o governo não fez as contas?
É claro que fez. Acredito, aliás, que foi por ter feito as contas que os números são o que são. Na quarta-feira, na Assembleia da República, o grande chapéu de chuva que os governantes abriram para se protegerem do aguaceiro crítico da oposição foi este: não podia ser melhor. O governo está à frente de um Estado que permanece tragicamente endividado, com uma economia estagnada e uma população envelhecida. Ora, a maior inflação dos últimos anos pôs toda a gente a prever, na Europa, a correspondente maior subida de juros dos últimos anos. Com esse horizonte, o governo não podia ir longe.
Não é uma novidade. Os portugueses, se além de fazerem as contas, puxarem pela memória, concluirão que já viram este filme: também as ajudas do Estado às empresas durante os confinamentos do Covid foram em Portugal das mais baixas da UE. A “incerteza” que os governantes invocaram no parlamento não é outra coisa senão a suspeita de que o dinheiro barato com que durante sete anos disfarçaram os problemas pode acabar. Daí, o que agora chamam “prudência”.
A verdadeira opção de António Costa não foi ajudar menos quando podia ajudar mais, mas não deixar a sociedade portuguesa prosperar quando, durante sete anos, teve para isso as condições mais favoráveis da história de Portugal: uma população mais educada do que nunca, dinheiro barato, o acesso a um grande mercado unificado na Europa. Tudo se perdeu, porque em 2015 Costa fez outras contas. Em primeiro lugar, concluiu que, depois de derrotado nas eleições, podia ser primeiro-ministro com o apoio da extrema-esquerda, isto é, dos principais inimigos da economia de mercado e da democracia liberal. Em segundo lugar, convenceu-se que podia um dia ganhar eleições se formasse um bloco eleitoral com os dependentes do Estado. Desde 2015, aproveitou o crédito restabelecido por Pedro Passos Coelho, para aumentar o número de funcionários do Estado e o seu custo. A despesa pública passou de 86 mil milhões em 2015 para 91 mil milhões em 2019, antes da pandemia. Para entregar em Bruxelas os défices de que dependia o financiamento do BCE, tivemos as “cativações” e a degradação dos serviços públicos, a começar pelo SNS. Continuámos a divergir da Europa, como desde que o PS tomou conta do governo em Portugal e suspendeu o processo iniciado por Cavaco Silva de modernização e adaptação aos mercados globais. Num país assim, quando as vacas emagrecem, não há muito para acudir às necessidades.
Não, não estou a culpar António Costa por tudo. A crise energética e a inflação causariam sempre perdas. Mas a sociedade portuguesa vai sofrer essas perdas a um nível de riqueza mais baixo do que aquele em que, com outras políticas, poderia estar. É essa a responsabilidade de António Costa. Portanto, não lhe peçam só contas pelo que está a fazer agora; peçam-lhe contas pelo que fez durante sete anos, porque é isso que está em causa.