Evito escrever sobre os desmandos do governo, em particular sobre os seus inúmeros e embaraçosos «casos e casinhos» que corroem a confiança nas instituições tanto quanto a própria democracia e o ideal democrático. Evito, mas nem sempre consigo. António Costa ultrapassou os limites, envergonhando-nos a todos, quando, e mais uma vez, disse não haver «condições institucionais nem orçamentais» para acolher a Ucrânia na União Europeia.

António Costa sabe que a Ucrânia é um candidato. Há um processo, longo, adiante. Condições que têm de ser cumpridas. Anos de trabalho, meta a meta – tal como aconteceu com Portugal.

António Costa também sabe que a Rússia de Putin foi clara: a Ucrânia não tem existência independente, portanto, o genocídio ucraniano está justificado. Estas declarações de António Costa, quando a Ucrânia celebra a sua Revolução da Dignidade; quando as suas infraestruturas civis e energéticas estão a ser metodicamente destruídas e assistimos a uma paisagem de miséria e ruínas; quando as pessoas estão sem água, sem aquecimento e sem luz, com temperaturas negativas; quando diariamente se descobrem valas comuns, câmaras de tortura; quando um povo se bate, e morre, pela sua liberdade e pelos ideais democráticos, pelo direito de existir e decidir, e não se submete; estas declarações de António Costa, dizia, são um ultraje, são uma vergonha.

Pior só a menoridade escondida na sua vergonhosa declaração: a mendicância e o favorecimento da «esquerda» dita socialista que António Costa representa.

Portugal, o oitavo país mais pobre da Europa, continua a empobrecer enquanto, ao fim de sete impávidos e serenos anos no PS de António Costa não há, nem haverá, o menor ímpeto reformista – recordo, só como nota, que estão 6 mil milhões de euros dos fundos europeus por executar…

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Volto a dizê-lo: Portugal tem 4,4 milhões de pessoas, quase metade da sua população abaixo do limiar da pobreza; as empresas têm uma carga tributária elevadíssima; a produtividade é baixa; os salários são baixos; o desperdício de recursos humanos, a maior riqueza de um país, é inconcebível. Não há como iludir os factos. Como iludir os números. Os números reais, da Pordata aos do Eurostat, não aqueles que se agitam em malabarismos parlamentares, estes não mentem nem há spin que os torça: o PS, mais uma vez, está a levar-nos para a miséria. E com uma agravante: a sua exfiltração da coisa pública, ao fim de mais de vinte anos de poder, a ser possível, será de muito difícil concretização.

Quem ouça António Costa, arrogante, populista, sarcástico não consegue conciliar a ideia inflacionada de si mesmo com a realidade em que nós, portugueses, vivemos. Nem com as suas próprias declarações mendicantes – sendo a penúltima a infame «já posso ir levantar o cheque?». A última, sobre a objecção à adesão ucraniana, decerto pelos fundos que este país obrigatoriamente receberá, desviando-os da mão estendida socialista, também não se compadece dos tiques do seu autoritarismo. Mas revelam a sua mundivisão de pedinte.

A António Costa também deveria interessar mais a manutenção das democracias do que o gauchismo de que padece, ainda que a leste se vote, tendencialmente, mais à direita. Porque empurrar a Ucrânia para uma mesa negocial com a Rússia numa posição subalterna, e friso, quem está a morrer, quem está a combater, são os ucranianos, devolve à Rússia a posição imperial e aguça-lhe o dentinho ao olhar para a Polónia. A segurança da Europa joga-se na Ucrânia. Isto deveria ser mais importante do que o enraizamento socialista no poder e na coisa pública.

Diante da siriarização, se isto se pode dizer da devastação levada a cabo na Ucrânia modelada na devastação da Síria, agora mesmo, e a despeito das abstenções de quatro deputados socialistas – sobre a previsibilidade de voto do BE e do PCP nem há o que acrescentar –, o Parlamento Europeu declara a Rússia um «estado patrocinador do terrorismo». Haverá consequências na arquitectura do poder: a Rússia de Putin está a cada dia mais distante da Europa e a atratividade de Moscovo, a leste, e a sua influência decai a cada dia enquanto se arruma ao lado do Irão, e as eleições de 2024, agora sem carácter previsível, não chegam.

Não sei o que sobrará do Partido Socialista depois de finda esta empobrecedora dinastia que há mais de vinte anos nos desmanda. Nem o que sobrará do país.

A autora escreve segundo a antiga ortografia